Começo por esclarecer que já tinha lido a opinião de Manuel Cardoso, quando sugeri este livro no Clube de Leitura. Bem aceite, por sinal! Mas devo também salientar que o interesse por este último livro de Pepetela foi igualmente proporcionado por agradáveis leituras anteriores...
As 358 páginas deste romance de aventuras (e desventuras) por terras angolanas, no início do século XVII, centra-se essencialmente em duas personagens: Manuel Cerveira Pereira, administrador real e histórico do território, que cumpriu dois mandatos intercalados; e Carlos Rocha, um negro livre e supostamente descendente de Diogo Cão, ficcional, que tenta a todo custo manter a liberdade, enquanto luta pela sobrevivência. A personalidade de ambos não podia ser mais dispare!
"Manuel Cerveira Pereira, o conquistador de Benguela, é um filho da puta", a frase inicial deste livro, traduz sumariamente a conclusão a que todos chegamos no final. Ou muito antes de lá chegarmos, porque a prepotência, a crueldade, a hipocrisia e a ganância do governador não deixam margem para dúvidas. Mas a sinistra personagem tinha outros dotes, nomeadamente a de se movimentar bem entre conspirações e intrigas na corte filipina vigente na época, empolgando os reis com as grandes riquezas que lhes poderia conquistar em terras tão prósperas. Obviamente, esquecendo-se de referir os lucros que contava auferir com o comércio de escravos ou outros produtos. Não era o único, todos os colonizadores - que incluíam padres jesuítas e franciscanos, acobertados pela piedosa missão de converter as populações locais ao cristianismo - ambicionavam enriquecer rapidamente e sem grande trabalho.
Se até aqui o livro se assemelha apenas a um relato histórico e mais ou menos factual, o escritor não se cinge a esta perspetiva e vai mais longe, com o percurso do jovem negro "branco" Carlos Rocha, que um dia abandona Luanda acompanhado do seu escravo Mulembe e, armado com um mosquete, ruma ao mato. Não anda em busca de aventura, o que o impele é o receio que o seu pai, um bêbado inveterado, o venda como escravo em troca de vinhaça. É através dos seus olhos que vislumbramos a imensa e luxuriante paisagem africana, onde se multiplicam cheiros, cores e sabores, a par de perigos vários e confrontos tribais, onde a luta pela sobrevivência e pela liberdade é uma constante. Mas, nessas condições adversas e no meio de uma temível tribo jaca e canibal, encontra o amor...
Muito bom para começar as leituras anuais, com o sentido de humor a que Pepetela nos habituou. Mas não muito fácil de ler, à conta do uso excessivo do português de Angola. (e não, não devido ao acordo ortográfico!)
CITAÇÕES:
"E minas não se inventam tão facilmente no terreno como na corte. Na corte tinha sido fácil encontrá-las. [...] No terreno, no entanto, elas corriam à frente dele."
"Estão batizados, embora como não sabem português nem latim e os religiosos pouco falam das línguas deles, acho que se batizaram sem compreenderem muito bem a doutrina. E a sua prática corrente é de quem não respeita Deus nem os seus mandamentos, pois continuam tendo as mulheres que podem, se apoderam tranquilamente do que não é deles, mentem descaradamente e cometem todos os outros pecados que a nossa Santa Madre Igreja proíbe."
"Já não fala o antigo judeu, antes o católico profissional. Porque isto de ser sacerdote católico em África é uma profissão rentável, um simples negócio, nunca uma devoção desinteressada."
"Se dependesse de mim, não haveria escravo ingerido na minha boda."
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"O Capitão Alatriste", de Arturo Perez-Reverte, será o próximo livro a discutir no Clube de Leitura, a 17 de março.
Nunca li nada do Pepetela, nem mesmo do Mia Couto, a literatura africana nunca me interessou.
ResponderEliminarE o próximo livro a discutir no Clube de Leitura, a 17 de março: "O Capitão Alatriste", de Arturo Perez-Reverte, também nunca li, nem nunca ouvi falar do seu autor.
Nós cá estamos a ler "Kassandra" de Christa Wolf e o encontro do Círculo Literário é na próxima sexta-feira. Sabes se este livro está traduzido na nossa língua?
a palavra "colonizadores" não deveria ser substituída por "carrascos"?
ResponderEliminarO Pepetela nunca me habituou a nada, porque nunca li nada dele...tou como a ematejoca...são gostos.
ResponderEliminarNo entanto a forma como tu falas dos livros deixa-me curiosa e com vontade de os ler...ganhas comissão??? (smile a assobiar)
Pesquisei sobre o próximo e também parece interessante, mas vou esperar pela tua análise...(dás-me quanto?) (smile a piscar o olho) eheh
Beijinho :)
Não me posso considerar um bom leitor de romance.
ResponderEliminarNunca li nada de Pepetela nem também de qualquer outro autor africano.
No entanto, leio muito, mesmo muito, só que as minhas leituras têm uma orientação diferente e também mais curta !
Hoje, custa-me ler um livro de 500 páginas ou até ver um filme de 2 horas ! Sinto que o tempo me foge ! :)))
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Eu, que não sou adepto do acordo ortográfico, teria então mais dificuldade em ler este livro, mas admiro-te imenso porque vais a todas, única forma de banir o que não interessa.
ResponderEliminarBeijinho Tété
a literatura africana está para mim exactamente no mesmo patamar que a literatura sul-americana... dificilmente me apanham a lê-la nos tempos mais chegados. simplesmente não me desperta grandemente a atenção. honrosa excepção ao Roberto Bolaño, de que já li algumas coisas, e a Borges, de que espero ler brevemente as "ficções"
ResponderEliminarSim, está traduzido, EMATEJOCA! Esse e mais 3, somente! Não sei se ela tem uma vasta obra ou não, mas aqui é praticamente uma desconhecida... :)
ResponderEliminarReverte é um escritor e jornalista espanhol, cujos livros estão traduzidos em 30 línguas! Mas ainda não li nada dele, depois conto... :D
Beijocas!
Sim, seria por aí, ICIO! Embora aqueles sobas tribais também não fossem flores que se cheirassem... :))
ResponderEliminarClaro que há gostos para todos os géneros de livros, MARIA! E ainda bem que assim é... :)))
ResponderEliminarBom, na verdade não é muito frequente dizer mal de um livro. Porque, normalmente, desisto de ler os que não me interessam. Só levo até ao fim um livro desinteressante (e nem sempre), se são para discussão no Clube de Leitura. E houve outro de contos que li no ano passado, que gostei de metade dos contos e da outra metade não! :D
A eventual comissão era um pau de dois bicos: na volta só me davam estopadas para ler e ainda tinha de elogiar por cima! Hummm... não é o meu feitio... (assobiando para o ar)
Beijocas!
Pela amostra, RUI, Pepetela não tem aqui grandes fãs, a não ser eu! :)))
ResponderEliminarOs livros (e os filmes) não se medem às páginas (ou pela metragem), mas confesso que também não tenho muita pachorra para ir ver filmes muito longos... :D
Mas se um livro é realmente interessante, nunca sentes que o tempo te foge. Quando acabas, até ficas com pena de já ter acabado... ;)
Beijocas!
Também há coisas que há partida não leio, KIM! Ou autores que me desagradam, tanto por serem complicados demais, como por serem fúteis... ;)
ResponderEliminarMas aí há que ler (ou tentar) primeiro, para chegar a essa conclusão! :D
Beijocas!
São gostos, MOYLITO! Pessoalmente adoro Sepúlveda! Jorge Amado, Luis Fernando Veríssimo, Garcia Marquez e Pepetela também não costumam falhar! Para o meu gosto pessoal, está claro! ;)
ResponderEliminarEm compensação não leio biografias (quando muito consulto), ficção científica, literatura dita fantástica ou de auto-ajuda... :D
Apenas li um livro do autor, mas gostava de voltar a ler algo mais. Pena não ter mais nenhuma obra aqui por casa...
ResponderEliminarArturo Perez-Reverte é um autor que tenho imensa curiosidade em ler, principalmente este título que referes. Vou aguardar pela tua opinião, muito embora acredite que vá ser positiva. ;)
Ora aí está um autor que nunca li e que tenho vontade de conhecer, até porque estou numa fase que quero conhecer mais da literatura brasileira e africana. Já ouvi falar muito bem do autor e também deste livro em outros blogs. Mais um para a minha lista de desejos:)
ResponderEliminarPena não viveres aqui mais perto, TONS DE AZUL, que até te emprestava... :))
ResponderEliminarTambém tenho imensa curiosidade de ler Reverte, que nunca li nada dele! Desta vez a sugestão até foi de outro membro do Clube, mas anuí logo... :D
Estás na mesma onda que eu, LANDA, que, após anos a ler os mesmos autores, comecei a diversificar leituras! E tenho gostado da experiência... :)
ResponderEliminarNão conheço esses escritores. Mas vou tomar nota.
ResponderEliminarUm que acabei de ler anteontem, aliás, de ouvir (audiobook) foi “The Namesake” de Jhumpa Lahiri, “O Bom Nome”. Gostei.
Ontem comecei a ler “Sweetness in the belly” de Camilla Gibb. Já o tinha lido há uns anos mas como o trouxe da biblioteca por engano decidi relê-lo. Não sei como traduziram o título em português, se é que o livro foi traduzido nesta língua.
Boas leituras.
Estive a ver as duas escritoras que referes, duvido que tenham algum livro publicado em português, que nem entrada na wiki têm, CATARINA! E normalmente também aparecem os títulos dos livros nas editoras, quando os livros estão à venda... :)
ResponderEliminarMas pronto, é sempre bom conhecer escritores de outras paragens, assim se sair alguma coisa delas já estou atenta! :D
Continuação de boas leituras para ti também!
Quando ontem procurei na net o nome do livro “The Namesake” em português, creio ter lido num site onde mencionava a Livraria Bertrand. Há um filme com o mesmo nome. O livro talvez tivesse sido lançado por volta de 2003.
ResponderEliminarTens razão, CATARINA! "O Bom Nome" está editado em Portugal, mas em algumas editoras está esgotado, só na Bertrand diz que está disponível.
ResponderEliminarO filme também me aparecia, mas não vi! :)