E agora, aqueles que têm mais ou menos uma ideia das leituras que costumo apreciar, perguntam-me com algum espanto: mas porque é que vais escrevinhar sobre este livro, se o detestaste, com tantos livros empolgantes que leste nos últimos tempos (esta é só para aqueles que têm bola de cristal e usam turbante na cabeça, claro!)?
A resposta é simples: foi combinado num grupo de leitura do facebook os participantes lerem e darem a sua opinião. Hoje, às 11 da noite, hora à qual não sei se poderei estar em frente ao computador - daí ficar aqui com alguma antecedência, "transfiro" para o FB assim que puder. Dito isto, aviso desde já todos os eventuais interessados nesta leitura que este post contém SPOILERS, portanto é para parar de ler já!
Se há coisa que acho piada nos ingleses é aquela mania de que castelo, palácio ou mansão que se preze tem por ali um fantasma a cirandar. Mas se tem piada no reino da lenda ou de histórias contadas junto à lareira em noites de inverno, já não tem tanta quando para dar um final a um livro um bocado esquisitóide se tenta impingir o fantasma. Por mim, a credibilidade vai logo pelo cano!
Gémeas idênticas, Lydia e Kirstie têm 6 anos quando Lydia morre acidentalmente ao cair de uma varanda. Após a tragédia, Sarah e Angus Moorcroft, os infelizes pais das meninas, resolvem abandonar Londres e ir viver para o farol de uma ilha escocesa desabitada, que herdaram de uma avó, com Kirstie. E aí, pouco depois de se instalarem na casa em ruínas, a criança alega que os pais se enganaram, quem morreu foi Kirstie e o nome dela é Lydia. O que não lhe granjeia grande popularidade na nova escola, as outras crianças têm medo e fogem dela, excluem-na completamente das suas brincadeiras - isto quando não a perseguem ou acuam.
Enquanto a confusão da identidade da miúda (habituada a fazer parte de uma dupla) e o desgosto devastador dos pais soa a possível e até verosímil, o diálogo quase inexistente do casal e mesmo assim quase sempre recheado de mentiras começa a pesar ao longo das 314 páginas. Latente está também a questão da culpa no acidente. Sem se entender porquê. Angus bebe demais, Sarah é completamente desequilibrada, com tantas dúvidas e angústias - chega a crer que o marido é pedófilo, só porque a filha lhe diz que ele beijava a irmã com frequência. Mais adiante, lá para o final, descobre-se que ela teve uma grave depressão, que não se lembra de nada do acidente. Porque em vez de estar a tomar conta das filhas, estava enrolada com um fulano num quarto da casa, com a porta fechada. E as miúdas, curiosas com a novidade, resolveram trepar pela varanda e espreitar pela janela do quarto, quando uma se desequilibrou e caiu - e a outra ficou com o remorso de não ter tido força para a segurar...
Pronto, dadas estas explicações, que final dar a uma mãe "desnaturada" destas? A morte, evidentemente! E toca de pôr o cãozinho a fugir numa noite de tempestade, em que mãe e filha estão convenientemente sozinhas na ilha. Aterrorizadas, trocam confissões e acabam por abandonar a casa do farol rumo à segurança do continente, através de um lamaçal que lhes permite a passagem na maré baixa. Angus, preocupado com elas, apesar da enorme bebedeira, está a fazer o percurso em sentido inverso e parece-lhe ver uns vultos. Quando chega a casa só encontra Kirstie, encolhida a um canto. Então quem saiu de casa, de mão dada com Sarah, na noite da tempestade? A única interpretação possível é Lydia, a filha que morreu. Ou o fantasma dela, portanto. O corpo da mãe é encontrado no epílogo. "Milagre" é o cão ter escapado ileso... Tenham dó!
Nunca tinha lido nada de S. K. Tremayne ou de Tom Knox, ambos pseudónimos do escritor e jornalista britânico Sean Thomas. Embora entenda que haja quem goste do género de terror, não creio que este livro cumpra essa função - é demasiado soft para aterrorizar alguém. A escrita é acessível e até convida a ler, mas torna-se muito repetitivo e a "reviravolta" final é bastante incongruente. E meio a dar para o moralista, também.
Citações:
"E não há nenhuma razão para que a Lydia não fique em segurança na ilha, desde que não se perca em deambulações. É uma ilha. Ela tem sete anos e pode ficar sozinha, sem o menor risco, em casa. Não temos varandas."
"Ouço as ratazanas na arrecadação. Porque é que o 'Beany' não as mata? Este cão é patético. Taciturno, deprimido, amedrontado."
"Não é tanto a minha própria morte que é intolerável, mas sim a morte daqueles que me rodeiam. Porque os amo. E parte de mim morre com eles. Portanto, todo o amor, se quiserem, é uma forma de suicídio."