Desiludam-se aqueles que pensam que vou falar do filme com o mesmo título: para ler o livro e não me deixar influenciar pela versão cinematrográfica, acabei por perder esta última. Enfim, é esperar que seja exibido na TV. Este foi o primeiro romance do americano David Ebershoff e conta-nos uma história vagamente baseada na vida de Einar Wegener (e da sua mulher, Greta), o primeiro homem a fazer cirurgias para mudar de sexo. Vagamente, porque o autor alerta que alguns factos são reais, mas tudo o que são pensamentos e diálogos entre o casal e os seus amigos são produto da sua imaginação, portanto ficção pura.
Como o livro foi lido no âmbito de Clube de Leitura, desta vez as opiniões foram bem discrepantes, tornando a discussão mais longa e aprazível - diga-se em abono da verdade que o tema dá pano para mangas. Assim, houve quem considerasse as primeiras páginas muito entediantes - a vida do casal entre 1925 e 1930 é a de um casal mais ou menos comum, que se dá bem, mas que não é dado a grandes excentricidades no dia a dia: pintam, trabalham, eventualmente vão a algumas exposições, mas no geral pode-se afirmar que não tem uma vida social muito activa. E mudam de casa, de Copenhada para Paris, fazendo férias em Menton.
Durante seis anos a transformação de Einar numa Lili cada vez mais presente fá-lo procurar ajuda médica, mas como se pode imaginar, naquele tempo nem a maioria dos médicos sabia como, de modo que as sugestões vão de uma ameaça de queixa às entidades policiais (era crime), a uma lobotomia e até à simplificação de que ele era homossexual. No entanto, é com a ajuda de Greta e do seu cunhado Carlisle que ele é incentivado a procurar solução para o seu problema...
Contudo, o romance não deixa de ser triste e um pouco deprimente, com a enorme vantagem que as suas 322 páginas estão muito bem escritas, conseguindo o autor uma abordagem sensata, discreta e equilibrada, sem cair na tentação da ordinarice ou brejeirice pura e simples.
Citações:
"Porquanto todo o incidente era de tal forma extraordinário que toda a academia teve de pestanejar em uníssono, até ao último membro, fosse ou não artista, abanando ligeiramente a cabeça coletiva."
"Quando se olhava ao espelho via uma ruga ténue e bela de cada lado da boca, duas rugas que a lembravm da entrada de uma gruta - era um pouco exagerado, sabia, mas ainda assim era disso que se lembrava."
"Lili recordava-se dessa sensação, ter de engolir os pensamentos e os sentimentos e guardá-los para ninguém."
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A próxima sessão do Clube de Leitura terá lugar a 14 de maio, desta vez com o livro "A Amiga Genial", de Elena Ferrante.