quinta-feira, 31 de março de 2016

A RAPARIGA DINAMARQUESA

Desiludam-se aqueles que pensam que vou falar do filme com o mesmo título: para ler o livro e não me deixar influenciar pela versão cinematrográfica, acabei por perder esta última. Enfim, é esperar que seja exibido na TV. Este foi o primeiro romance do americano David Ebershoff e conta-nos uma história vagamente baseada na vida de Einar Wegener (e da sua mulher, Greta), o primeiro homem a fazer cirurgias para mudar de sexo. Vagamente, porque o autor alerta que alguns factos são reais, mas tudo o que são pensamentos e diálogos entre o casal e os seus amigos são produto da sua imaginação, portanto ficção pura.

Como o livro foi lido no âmbito de Clube de Leitura, desta vez as opiniões foram bem discrepantes, tornando a discussão mais longa e aprazível - diga-se em abono da verdade que o tema dá pano para mangas. Assim, houve quem considerasse as primeiras páginas muito entediantes - a vida do casal entre 1925 e 1930 é a de um casal mais ou menos comum, que se dá bem, mas que não é dado a grandes excentricidades no dia a dia: pintam, trabalham, eventualmente vão a algumas exposições, mas no geral pode-se afirmar que não tem uma vida social muito activa. E mudam de casa, de Copenhada para Paris, fazendo férias em Menton.

Durante seis anos a transformação de Einar numa Lili cada vez mais presente fá-lo procurar ajuda médica, mas como se pode imaginar, naquele tempo nem a maioria dos médicos sabia como, de modo que as sugestões vão de uma ameaça de queixa às entidades policiais (era crime), a uma lobotomia e até à simplificação de que ele era homossexual. No entanto, é com a ajuda de Greta e do seu cunhado Carlisle que ele é incentivado a procurar solução para o seu problema...

Contudo, o romance não deixa de ser triste e um pouco deprimente, com a enorme vantagem que as suas 322 páginas estão muito bem escritas, conseguindo o autor uma abordagem sensata, discreta e equilibrada, sem cair na tentação da ordinarice ou brejeirice pura e simples.

Citações:

"Porquanto todo o incidente era de tal forma extraordinário que toda a academia teve de pestanejar em uníssono, até ao último membro, fosse ou não artista, abanando ligeiramente a cabeça coletiva."

"Quando se olhava ao espelho via uma ruga ténue e bela de cada lado da boca, duas rugas que a lembravm da entrada de uma gruta - era um pouco exagerado, sabia, mas ainda assim era disso que se lembrava."

"Lili recordava-se dessa sensação, ter de engolir os pensamentos e os sentimentos e guardá-los para ninguém."

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A próxima sessão do Clube de Leitura terá lugar a 14 de maio, desta vez com o livro "A Amiga Genial", de Elena Ferrante.

terça-feira, 29 de março de 2016

NOS CAMPOS DA FLANDRES

Neste fim de semana pascal deu na FOX Crime a mini-série "Convite para a morte" (2015), baseada num dos romances policiais mais espetaculares de Agatha Christie (e um dos meus favoritos). Como é óbvio, segui atentamente os 3 episódios, que foram exibidos pelas 9h30m da noite - fica a informação para quem quiser/puder ir espreitar. Depois calhou dar de caras com um documentário intitulado "Apocalipse da I Guerra Mundial", com bolinha vermelha e tudo, que não podia ser mais explícito sobre as atrocidades dessa guerra que ceifou inutilmente tantas vidas, há um século atrás.

Ora acontece que recentemente vários amigos bloguistas me enviaram mails para uma corrente de troca de poesias. Também acontece que não sou de correntes. Nem de (qualquer) poesia. Tenho até alguma aversão a auto-intitulados poetas que rimam luar com amar, julgando com isso ter escrito uma obra-prima. Que eventualmente poderá ser, se o versejador tiver menos de 8 anos de idade... Adiante! Portanto, foi sem qualquer remorso que não segui as correntes recebidas. Para provar que não sou assim tão insensível, nem tenho o coração totalmente empedernido, resolvi brindar-vos com um poema que me emocionou, quando via o documentário acima mencionado. Escrito pelo tenente coronel canadiano John McCrae, na Flandres, em 1915 - o então poeta e cirurgião viria a perecer em 1918, no surto de gripe espanhola que se propagou pelos exércitos que combatiam. De uma penada, também para satisfazer todos aqueles que precisam de mais poesia nas suas vidas...

NOS CAMPOS DA FLANDRES
Nos campos da Flandres
as papoilas estão florescendo entre as cruzes
que em fileiras e mais fileiras assinalam
nosso lugar; no céu as cotovias voam
e continuam a cantar heroicamente,
e mal se ouve o seu canto entre os tiros cá em baixo.

Somos os mortos... Ainda há poucos dias, vivos,
ah! nós amávamos, nós éramos amados;
sentíamos a aurora e víamos o poente
a rebrilhar, e agora eis-nos todos deitados
nos campos da Flandres.

Continuai a lutar contra o nosso inimigo;
nossa mão vacilante atira-vos o archote:
mantende-o no alto. Que, se a nossa fé trairdes,
nós, que morremos, não poderemos dormir,
ainda mesmo que floresçam as papoilas
nos campos da Flandres.

Tradução de ABGAR RENAULT

No original:
IN FLANDERS FIELDS
In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row,
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly
Scarce heard amid the guns below.

We are the Dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved, and were loved, and now we lie
In Flanders fields.

Take up our quarrel with the foe:
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders fields.

sábado, 26 de março de 2016

BEM SEI...

...que nesta altura do ano é mais coelhos, ovos e amêndoas, mas como esses moram no congelador, frigorífico e despensa cá de casa (por essa ordem), decidi-me antes pelos patos a nadar no lago, que são mais a minha onda. Uma nova ninhada deles, que também me parece adequada para reforçar que a primavera está no ar e para vos desejar a todos...

UMA PÁSCOA MUITO FELIZ!

quarta-feira, 23 de março de 2016

AS HORAS DISTANTES

Não serei a única que ao ler um(a) escritor(a) que me agrada tento ler outros livros de sua autoria. Nem sempre estão disponíveis, ou porque esgotaram ou porque ainda não foram traduzidos e/ou publicados, enfim, um sem número de razões. Assim, foi com enorme alegria que topei com esta edição de bolso doutro livro de Kate Morton. Com a vantagem de custar apenas 9 euros (os livros estão muito caros, a maioria dos estrangeiros custa à volta de 17/20 €, sendo que os nacionais custam um pouco menos, embora raramente inferior a 13/14 €), mas a grande desvantagem de uma letra pequenina a preencher 721 páginas.

Mais uma vez é uma carta que tem um papel fundamental no enredo: esta extraviou-se durante mais de meio século, chegando finalmente ao seu destino. A curiosidade que provoca em Edie, a filha da destinatária, despoleta a ação. Onde não falta um castelo quase em ruínas, as três irmãs idosas que nele residem e os muitos segredos que as  suas paredes encerram."Paredes antigas, que entoam as horas distantes." 

Uma leitura agradável e emocionante, destinada a todos aqueles que apreciam romances  que não sejam demasiado lamechas...

Citações:

"As cartas têm isto de especial. As conversas são levadas no momento em que se têm, mas a palavra escrita prevalece. Aquelas cartas eram pequenas viajantes do tempo; tinham aguardado durante 50 anos pacientemente na caixa, à espera que as encontrasse."

"A felicidade não é um dado adquirido, tem de ser conquistada."

"Não imagino enfrentar o final de um dia sem uma história no meu caminho até ao sono."

segunda-feira, 21 de março de 2016

A NOITE DA DONA LUCIANA

Nunca vou com grandes expectativas ao teatro, ainda menos quando são estas peças de curta exibição (de 24 de fevereiro a 19 de março) em cena, em pequenos teatros de bairro - como é o teatro da Politécnica, na rua da Escola Politécnica, ali ao Príncipe Real. Mas o engraçado é que muitas vezes tenho boas surpresas. Como foi o caso.

Está bem que a peça de Copi é de puro non-sense, ficamos sem saber bem o que é da autoria do dramaturgo, criação do encenador ou vaipe dos atores em palco. Se é que podemos chamar palco ao espaço... Certo é que o pequeno teatro estava cheio, a malta fartou-se de rir e no final o público aplaudiu de pé. Pode-se pedir mais?

Encenada por Ricardo Neves-Neves, a peça conta com a participação de Custódia Gallego, Rita Cruz, Patricia Andrade, José Leite, Rafael Gomes e Vítor Oliveira. Do grupo "teatro do eléctrico", que é de seguir com mais atenção. 

Boas surpresas agradecem-se! Esperemos que esta primavera venha recheada delas...

TENHAM UMA EXCELENTE  P R I M A V E R A!!!

Imagem da net.

quarta-feira, 16 de março de 2016

TARDES ENSOLARADAS

Nesta altura do ano, se calha uma tarde ensolarada ao fim de semana, o mais certo é os lisboetas saírem à rua como se não houvesse amanhã. Foi o que aconteceu no passado sábado e domingo, com metade da população a correr para as praias e outra metade para os jardins e esplanadas. No meio de um trânsito infernal, está bem de ver...

Já há flores a postos a anunciar a primavera...

...nos jardins da Gulbenkian.

A contrastar com árvores ainda nuas e rendilhadas dos rigores do inverno, recortando-se contra o azul de um céu límpido.

Não podiam faltar patos nas suas costumeiras danças aquáticas,

ou a exibir os tons acobreados das suas penas, para quem os queira observar.

Até as tartarugas (ou serão cágados?) não resistiram à chamada do sol.

Os riachos que correm reflectindo toda a Natureza em manchas de verde, azul e castanho, 

a lembrar como se está bem no campo...

As estátuas permanecem no mesmo local indiferentes a tudo o que as rodeia,

enquanto a malta se deleita com os últimos raios de sol do entardecer. Uma tarde muito bem passada, marcando o regresso às lides fotográficas ao ar livre!

segunda-feira, 14 de março de 2016

OS SEGREDOS DE GRAY MOUNTAIN

O último livro de John Grisham publicado em Portugal tem a particularidade de divulgar crimes contra o ambiente que decorrem há cerca de 30 anos nos estados da Virgínia e do Kentucky, nos EUA - a impunidade da atuação das grandes empresas carboníferas que exploram a zona, destruindo montanhas uma após outra, arrasando o arvoredo e atirando a lama resultante da lavagem do carvão encostas abaixo, o que acabou por poluir  os rios e fontes de água natural, provocando doenças graves  tais como o cancro. E porque é que eles fazem isso? Pois, está claro, é o velho capitalismo na sua pior faceta, na ganância desenfreada das empresas gerarem mais lucro e mais rápido extraindo o carvão do cume em vez das anteriores minas subterrâneas, e munindo-se de advogados especialistas na matéria, subornando fiscais, polícias e juízes, tornando impossível que a população local empobrecida consiga meios para os combater judicialmente. Mais, muitos dos mineiros que lá trabalham têm as mãos e os pés atados, correndo o risco de perder os únicos empregos existentes na região.

É esta a história absolutamente espantosa em pleno século XXI, que serve de pano de fundo ao relato de Grisham. Devidamente romanceada, já se vê, em forma de thriller empolgante. E só por essa denúncia, já valia a pena lê-lo.

O ponto que considerei mais negativo no livro foi a fraca protagonista, Samantha Kofer. uma promissora advogada que trabalhava numa grande firma de NY e que acabou por ser despedida, na sequência do escândalo financeiro de 2008. Para manter a hipótese de regresso à firma aceita um estágio não remunerado nessa zona  dos EUA e é aí que conhece a dimensão do problema. Mas é um bocado indecisa e legalista demais, até para quem usa e abusa de golpes baixos, pelo que não provoca grande empatia com o leitor. Ou, pelo menos, com esta leitora...

Citação:
"Perdemos cerca de seiscentas montanhas nos últimos trinta anos para as minas de superfície e, a este ritmo, não devem restar muitas. A procura do carvão está a aumentar, o preço está em alta, por isso as empresas apresentam cada vez mais pedidos de licenças para iniciar novas explorações."

terça-feira, 8 de março de 2016

O TEMPO VOA!

Literalmente! Ainda ontem saltava a pés juntos para as poças de água que encontrava pelo caminho da escola para casa, bem protegida que estava com galochas de borracha. Isto quando não fingia de mim para mim que era o Capuchinho Vermelho a atravessar a floresta do lobo mau. Com a diferença que eu via mesmo a minha avó à janela de sua casa,  onde nos aguardava diária e serenamente para nos ver passar rumo à nossa. Era tudo tão próximo, que o nosso meio de transporte habitual eram os nossos próprios pés. "Outros tempos!", dirão com toda a razão. 

Seguiu-se o liceu, novos amigos e os primeiros amores, gaivotas que aprenderam a voar em liberdade, cantadas aos sete ventos pelos sons de um Abril engalanado de cravos vermelhos. Pensávamos que nunca mais deixaríamos de ser felizes. Pura precipitação juvenil...

Depois a faculdade, os primeiros empregos, a aprendizagem de um novo modo de estar na vida. E os amigos que se afastaram porque a vida é mesmo assim, não há tempo para tudo nem para todos. E os desgostos com as partidas inesperadas daqueles que amávamos (e continuamos a amar). Mas também o casamento e o nascimento do filhote, momentos de grande alegria.

Hoje olho para trás e pergunto-me: mas será possível que já tenham decorrido 57 anos? Custa-me a acreditar...


E muito mais haveria para contar, mas por hoje é só. Vou ali festejar... e já volto!

domingo, 6 de março de 2016

JÁ FALTOU MAIS...

Cada vez mais avis rara!

BOM DOMINGO!
(ou do que resta dele...)

Imagem do facebook.

sexta-feira, 4 de março de 2016

AMORES SECRETOS

E para variar um bocadinho da "onda" policial, o romance de Kate Morton veio mesmo a calhar.

Dorothy festeja o seu 90º aniversário rodeada pelos filhos, mas já muito fraca e a sofrer de Alzheimer. Laurel, a mais velha, uma atriz de sucesso, encontra um livro com uma dedicatória de Vivien, alguém que nunca conheceu e que supõe ter morrido num bombardeamento londrino, durante a II Guerra Mundial. Simultaneamente, recorda-se de uma cena a que assistiu na adolescência e que nunca soube explicar - viu a mãe matar um homem. A mãe nunca gostou de falar do passado e ela sempre imaginou que devido aos muitos familiares e amigos que perdera durante esses anos. Mas com a curiosidade acicatada, vai investigar o passado da mãe e encontrar alguns dos seus antigos amigos que ainda estão vivos ou familiares destes. E a história afinal é muito diferente das suas fantasias mais arrojadas...

562 páginas divididas em 4 grandes partes, por sua vez subdividas em 34 capítulos, que intercalam o início dos anos 40, alguns episódios dos anos 50 e 60, e a actualidade, em 2011 - o leitor precisa de manter-se atento às datas, para não perder o fio à meada. ADOREI! Tanto que estou a ler outro romance desta escritora australiana!

Citações:
"Um verdadeiro amigo é uma luz na escuridão."

"Não haveria nada que ela gostasse mais de fazer do que explorar os seus buracos negros, excepto talvez chumbar um dente."

"Não lhe parece extraordinário, Katty, que, apesar do mundo inteiro estar envolvido nesta loucura a que nós chamamos guerra, as flores, as abelhas e as estações continuem a fazer o que têm a fazer, sábias mas incansáveis, à espera que a humanidade recupere o juízo e se recorde da beleza da vida?"