quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

QUE JUSTIÇA É ESTA?

Um tribunal do Porto condenou ontem um sem-abrigo - por tentativa de furto de um polvo e de um champô num supermercado da cidade, no montante de 25,66 euros - a 50 dias de pena de multa (a 5 euros dia), o que perfaz um total de 250 euros. Como o réu não compareceu ao julgamento e à leitura da sentença, agora tem 30 dias para pagar a multa ou então (caso seja encontrado, já que de momento se desconhece o seu paradeiro) cumprirá os mesmos 50 dias de prisão efetiva. Isto não é invenção, podem ler a notícia aqui!

Este processo reúne tudo o que há de mais caricato na justiça portuguesa (ou falta dela)! 

Primeiro, se o indivíduo, alegadamente carenciado, tentou gamar esses produtos é porque provavelmente não tinha dinheiro para os pagar. Nem por isso deve deixar de ser punido, obviamente! E também não se contesta que os comerciantes têm todo o direito a apresentar queixa de todos os larápios que lhes aparecem pela frente - consta que são mais que muitos, nem todos carenciados! - e entregar os casos à justiça. Mas como é que um sem-abrigo que não tem cheta, nem pensões, subsídios ou qualquer outra fonte de rendimento, para além de umas eventuais esmolas que possa obter, paga uma multa dessas? Não será o mesmo que o condenar imediatamente a uma pena de prisão?

Aí pensamos que juiz é este que anuncia tal sentença, certamente fundamentada na lei. Será que não distingue as pessoas e as suas diferentes capacidades e só percebe de códigos? Ou considera que o homem fica melhor atrás das grades, onde não precisa de fanar nada para comer ou para fazer a sua higiene pessoal? Tanto que o próprio não concorda, que desapareceu...

Por fim, a burocracia do sistema. Num país onde existem processos que envolvem montantes exorbitantes e que se arrastam nos tribunais durante anos, com recursos atrás de recursos até ver se as fraudes, burlas, corrupção, "desvios de fundos" e outras negociatas e estratagemas mais que suspeitos prescrevem - e deixam em liberdade e isentos de qualquer pena um bando de trafulhas da pior espécie, com um batalhão de advogados em sua defesa - não se entende o porquê de um crime menor seguir trâmites semelhantes. Numa altura em que as contas aos custos parecem primordiais, imagina-se o que este processo consumiu com juiz, tribunal, advogado (oficioso, pois está claro!), notificações e tempo dispendido por todos os intervenientes? Certamente muito mais do que os tais 25 euros e picos... E como é que se notifica um sem-abrigo? Pois, a polícia tem de o procurar para lhe dar o papel correspondente, que imagino tenha usado numa necessidade premente!

Entretanto, ontem também decorreu a cerimónia de abertura do novo ano judicial, com discursos atrás de discursos dos principais protagonistas da justiça portuguesa. Nem todos em vão, que Marinho Pinto e Noronha do Nascimento não pouparam críticas à atual política governamental! O "pobre" Cavaco Silva - que por sinal também tem uns quantos amigalhaços envolvidos em processos judiciais infindáveis - só apelou ao apaziguamento, na monotonia costumeira.

Mas, pela amostra, já se viu que começou lindamente...

Imagem da net. (melhor do que o tema do texto merecia, mas desenhos de polvos sorridentes não me convenceram!)

18 comentários:

  1. ouvi dizer que, por causa do frio que aí vem, centenas de sem-abrigo estão a dirigir-se para o Pingo Doce...

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  2. A Justiça que temos é um rede que caça os mosquitos mas deixa fugir os pássaros. Esta frase é de um filósofo grego (não me recordo qual).

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  3. Houve nos anos 50, no Porto, um juiz (Quintela) que foi profundamente amado.
    Julgava no Tribunal de Polícia do Porto, diariamente, as coisas que iam acontecendo no dia a dia e que de alguma maneira brigavam com a lei. Acima de tudo, olhava sempre às consequências das decisões que tomava.
    Não que julgasse contra a lei, mas sabia torná-la humana e útil. Não se coibia de ensinar e dar lições profundamente humanas e construtivas.
    Não havia jornal que não publicasse as suas sentenças, como não havia portuense que as não lesse e louvasse.
    Os que vivemos esses tempos jamais nos esqueceremos das sentenças que deu quando se pôs o problema do pé descalço.
    Dizia sempre que não sabia se havia de condenar o prevaricador ou o país onde aquilo era possível .
    O dr. Quintela condenava, mas imediatamente suspendia a pena, sempre na ideia de que quem devia ser condenado NÃO era o que NÃO tinha sapatos !
    .

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  4. Quem rouba um pão é ladrão, quem rouba um milhão é barão!!!

    Este caso passou-se no Porto, mas em Lisboa ou noutra cidade qualquer também acontecem casos assim e, como o Rui em cima nos relata já tivemos juízes justos e, talvez ainda hoje haja outros Quintelas na cidade invicta.

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  5. Ouvi hoje na rádio, não sei se a história é verdadeira, que o sem-abrigo quer mesmo é ser preso...durante quase 2 meses tem cama, mesa e roupa lavada...

    Tão ladrão é o que rouba o pão como o milhão, mas perder-se tempo e dinheiro com este caso é ridículo...

    Apesar deste país ainda ter coisas muito boas, o grande mal é não haver justiça...quando houver justiça resolvem-se muitos problemas...

    Gosto da Ministra da Justiça, acredito nela e nas ideias que tem, assim a deixem trabalhar.

    Muitos falam, falam, falam (bem alto) , mas não dizem nada...e são eles os mais interessados em que tudo fique como está...

    Beijinho :)

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  6. ao polvo que tens na imagem só falta uma coisa: uma fogueirinha de lume brando por debaixo :)

    este senhor deve ser punido por crime de furto, os senhores dos crimes de colarinho branco não devem ser punidos porque não roubam nem furtam, desviam. E desviar, com toda a razão, não deve ser punido porque com tanta curva e contracurva que esta terra tem não andaríamos 5m em frente se não nos pudéssemos desviar. ... E não é que não andamos os 5m em frente de qualquer modo! E esta, hein!?

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  7. e o mal é que o hiper mercado não pagou custas já que não se constitui como assistente
    adorei o discurso da presidente da AR na abertura do ano judicial

    abrazo serrano num dia de chuva

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  8. Também soube hoje deste caso, completamente absurdo neste país, onde se salta de recurso em recurso até à prescrição final. Faz-me lembrar um jogo de quando eu era pequena, "o mundo ao contrário"...
    Bjs

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  9. Ahahah, centenas, VÍCIO?!? Ouvi dizer que eram milhares... =))

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  10. Pois, é um bocado por aí, ANA! Infelizmente... :(

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  11. Precisávamos de mais juízes desses, RUI, mas infelizmente estes casos aberrantes fazem com que tenhamos pouca confiança nos atuais detentores do poder judicial e na justiça (cega) que aplicam nos tribunais! ;)

    Nunca tinha ouvido falar desse juiz, mas é natural, dado ter exercido nos anos 50... :)

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  12. O caso passou-se no Porto, EMATEJOCA, mas é evidente que se poderia ter passado em qualquer outra zona do país!

    Tal como noutras classes profissionais, a incompetência e o ridículo deste caso acaba por afetar a noção que temos da justiça nos tribunais. Estou em crer que genericamente falando os juízes costumam ser justos nas suas decisões... Mas certo é que decisões destas não deviam existir! Nunca!

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  13. As pessoas dizem muita coisa, MARIA, mas não acredito muito que o sem-abrigo queira ser preso. No fim de contas a prisão não é exatamente um mar de rosas... :P

    Tal como tu, também acredito que a justiça é fundamental num país, porque sem ela ou com ela coxa e deficiente perde-se a confiança nas instituições, empresas ou pessoas de um modo geral, sendo que algumas ainda se aproveitam da situação para abusar dos outros, normalmente mais fracos! E uma sociedade justa tem de tratar todos segundo o princípio da igualdade, o que infelizmente ainda não se passa por cá!

    A ministra da justiça não me convence e o bastonário da ordem dos advogados diz umas verdades, mas também não me convence inteiramente. Agora o presidente do STJ, que nem é dado a protagonismos mediáticos, resumiu tudo lindamente. No meu entender, está claro!

    Beijocas! :)

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  14. Eheheh, gostas de polvo, MOYLITO? Eu nem por isso... :))

    Eufemismos à parte, tão ladrão é um como os outros. A diferença é que um rouba para comer (e fazer a sua higiene pessoal, vá!) e os outros para enriquecerem. E claro que estes têm dinheiro para pagar a advogados de gabarito e o primeiro tem de se ficar por um oficioso. O que, parecendo que não, faz uma enorme diferença... ;)

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  15. Mal de nós que sempre que nos queixássemos de ser roubados tivéssemos pagar custas, MIXTU! Éramos vítimas duas vezes... :)

    O dela não vi, que já estava a começar a ficar farta! :D

    Abraço citadino!

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  16. Curiosamente não me lembro desse jogo, TERESA, mas que na justiça portuguesa há coisas que estão muito do avesso, lá isso... ;)

    Beijocas!

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  17. Também achei uma parvoíce. E o pior é o estado pagar todas as despesas em tribunal destas empresas.
    Isso sim devia ser considerado crime...

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  18. Haveria soluções mais simples, WHITE_FOX, que por um lado agilizassem estes processos e por outro os tornassem menos onerosos. Mas alguém está interessado em emperrar a "máquina"! :P

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)