"Entulho" era a designação carinhosa da leitaria de bairro, com pretensões a pastelaria fina, que foi palco de sessões de estudo, convívios, namoros e ponto de encontro constante de um vasto grupo de amigos durante quase duas décadas da minha vida... Imagino que, se não tivesse encerrado portas, atualmente estaria a fervilhar de discussões políticas, tal como nesses tempos. Adiante!
Os dois patrões do estaminé trabalhavam por turnos ao balcão - acompanhados por um ou dois empregados de mesa, consoante a hora e também eles em rotatividade - professavam ideais socialistas, mas a tendência de bajular os clientes e de tratar os subordinados como negreiros ninguém lhes tirava. Daí que estes não parassem lá muito tempo, com algumas honrosas exceções. Claro que os frequentadores habituais, sempre que viam surgir uma cara nova, aguardavam com alguma curiosidade o rápido epílogo...
Uma certa tarde surgiu lá um rapaz alto e magro, recém saído da adolescência e, para lhe acalmar qualquer ímpeto, o patrão de serviço (por sinal, o baixinho e gordinho, que o outro era o oposto) resolveu que ele devia começar por limpar a vidraça da única montra. Explicou-lhe como se fazia, em movimentos circulares e chegando lá bem acima, sem deixar nada embaciado. E o moço, novato, que obviamente nunca devia ter limpo um vidro, lá iniciou a sua tarefa. O ritmo e as conversas entre os clientes das diversas mesas continuou rotineiro, um riso aqui, uma piada ali, uma voz grossa acoli, mais um café ou uma imperial, gente que saía ou entrava, no vai e vem de todos os dias.
Até que, na minha mesa, alguém reparou nos esforços do novo empregado, que continuava a limpar a vidraça, sem grande sucesso: quanto mais passava as folhas do jornal e o produto, mais sujo e embaciado o vidro ficava. Alguém olhou o relógio e notou, em voz baixa: "Mas ele está ali há quase meia-hora." As conversas diversificaram, mas agora estávamos todos mais atentos aos progressos na limpeza. E, de vez em quando, lá escapava uma risada e alguém apostava que o moço não iria ter ali grande futuro...
Nunca soube ao certo se foi a nossa atenção que alertou o patrão (já tínhamos contabilizado mais de uma hora de trabalho infrutífero) e lá saiu ele detrás do balcão, baixote mas impante, com todo o ar de lhe ir pregar um valente raspanete, enquanto o outro empregado mais antigo ria, sádico, à socapa. Genicoso, resolveu demonstrar ao rapaz como se limpava um vidro. Mas, surpresa das surpresas, o resultado não melhorou em nada! As gargalhadas estenderam-se a quase todas as mesas, até que, frustrado mas mais experiente, encostou as narinas ao garrafão do produto, desvendando o "mistério": afinal, alguém tinha trocado o suposto limpa-vidros por detergente de loiça!
Muito rimos naquela tarde! (mas o rapaz, já nessa época contratado a prazo, ainda trabalhou lá durante uns anos, nos intervalos da outra profissão que desempenhava, de carteiro substituto...)
Ora bem como é que alguém. Ainda que o jovem fosse um ás de limpesa. Detergente da loiça? kkkkkkkkkk
ResponderEliminarUm abraço
Bom, ELVIRA, se fosse um ás da limpeza, daria rapidamente pela troca do produto... :)
EliminarUm abraço
pensei que tivesse sido uma "praxe" ao empregado.
ResponderEliminarhouve um que trabalhou comigo que, nem por ser afilhado de um dos patrões" se safou a ir à ferramentaria buscar um esquadro de arredondamento (leia-se... um tronco de madeira dentro dum saco)
Não foi, VÍCIO! Os fulanos estavam lá tão pouco tempo, mesmo sem praxes, que com elas então nem imagino... :D
EliminarMas isso é diferente, entre colegas - ali não havia colegas suficientes para isso, além que o sentido de humor dos patrões era muitíssimo limitado! :)
Já nesse tempo havia duplo emprego! :-))
ResponderEliminarAbraço
O coitado, soube depois, ambicionava ser carteiro, ROSA! Mas como só o contratavam como substituto - férias de verão e assim - tinha de arranjar outra forma de susbsistência para os períodos de desemprego. E foi logo ali parar... :)
EliminarAbraço
rrrssss rrsss
ResponderEliminarHá estórias qie (nos) ficam gravadas, né?
Um abraço
É verdade, SÃO, umas mais cómicas, outras menos, mas há cenas que dificilmente esquecemos... :)
EliminarUm abraço
Bem, o rapaz era persistente e esforçado. Agora pragmático não devia ser lá muito, né? Uma hora para perceber que havia ali bolhinhas a mais??...:)
ResponderEliminarBjs
É que nem havia, SAFIRA, que ele só tinha o detergente e o jornal, com um pouco de água qualquer um teria percebido mais cedo... :)))
EliminarBeijocas!
Essa estória fez-me lembrar as partidas (praxes) aos caloiros... Terá sido o colega que o tramou?
ResponderEliminarNão, não foi, CARLOS! Não tinha imaginação para tanto e falta de sentido de humor idêntica à dos patrões. Tratou-se apenas de uma troca na cozinha: quando o frasco do detergente partiu ou se estragou, aproveitaram uma embalagem vazia para não desperdiçar o produto, mas esquecendo-se de avisar ou de identificar a dita... :)
EliminarImagino como o rapaz ficou acabrunhado com todas as meninas a olharem para ele! : )
ResponderEliminarPor acaso, o patrão ficou com mais cara de "tacho" do que ele, CATARINA! :)))
EliminarCheira-me que isso foi partida :)
ResponderEliminarBeijos
Não foi, POPPY! Era mesmo mais a rebaldaria na cozinha... :)
EliminarBeijocas!