Este romance decorre na época quinhentista, numa viagem que nos leva de Porto Santo a Machico, Évora e Lisboa dessas eras: durante 18 dias, Fernão e Filipa Nunes, tio e sobrinha, dizendo-se inspirados pelo Espírito Santo, declararam-se profetas e pregaram por todo Porto Santo, sendo idolatrados e seguidos pela população da ilha, independentemente da classe social de origem. A Igreja não tolerou tal afronta e, através do forte braço da Inquisição, julgou e condenou ambos pela heresia. Sumariamente e de forma exemplar - andrajosos, sujos e semi-nus foram expostos, amarrados a postes, frente à Sé de Évora, para que o povo local se encarregasse de os insultar e torturar com cuspidelas, pedras ou círios acesos a seus pés. Antes de seguirem para as masmorras e provável futura fogueira.
Com base nesses factos históricos verídicos, Alice Vieira constrói um romance em torno de Filipa Nunes (na primeira pessoa), que está longe de ser infantil ou juvenil. A rapariga é adolescente e paralítica há longos anos, quando o tio, recentemente regressado de longas viagens pelos mares, a consegue curar miraculosamente. E se aquele tio aventureiro já era o seu herói - em contraposição com a mãe queixosa e o outro tio padre e beato - que a ensinou a ler e escrever e a levou a passear quando ainda não conseguia andar, a partir desse momento segue-o leal e fielmente. Dos dias de pregação, até ao martírio em Évora. Mas, ao contrário de Fernão, e não sendo os únicos condenados às masmorras do Limoeiro, entre outros hereges, ladrões e assassinos amontoados numa carroça, a incúria dos guardas "a cheirarem a vinho" permite-lhe fugir e escapar de tal sorte. Aos 18 anos e a vadiar pelas ruas de Lisboa, crê que o seu fim está próximo, até que Brígida a encontra e acolhe na sua casa...
A imagética de Portugal na época da Inquisição é absolutamente avassaladora, a vida romanceada da protagonista parece-me um mero pretexto para evidenciar as injustiças cometidas por esses tribunais de inquisidores, aos quais denúncias invejosas ou vingativas bastavam para acusar e condenar à morte qualquer cidadão do reino de D. João III e de D. Sebastião. E que se prolongou durante outros reinados, mas desses já não reza o livro!
Citações:
"Atentai no que vos digo e juro: há sempre uma altura em que até os loucos são levados a sério, se as suas palavras servirem para obscuros fins dos que estão no seu juízo perfeito."
"E pessoas sem medo são difíceis de escravizar."
"- Tem cuidado com o que andas para aí a dizer, rapariga! Quanto menos palavras saírem da nossa boca, melhor. Lembra-te sempre que nunca ninguém foi preso pelo que não disse!
Aí é que a minha mãe estava enganada.
[...]
E eu só o percebi muitos anos mais tarde, nesta cidade de Lisboa onde agora escrevo, quando comecei a ver gente presa, condenada, torturada, queimada, morta, por tudo o que nunca tinha dito."
D.João III e seu irmão, o Cardeal que foi rei, assim como D.Sebastião erma beatos falsos e cínicos. E, já agora, os estrangeiros ficavam espantados com as superstições e a beatice que viam em Lisboa no reinado de D.João V, um dos piores reis que Portugal teve.
ResponderEliminarO livro deve ser interessante, sim.
Que o teu dia tenha luz.
Pois olha, SÃO, entre D. João III, D. Sebastião e D. João V, não tenho a certeza de qual foi pior - um trouxe a Inquisição, ou outro armou-se em herói e acabou mal e este último era um beato igual aos outros (se bem que ficou para sempre associado ao Aqueduto das Águas Livres, obra então de grande dimensão). Isto sem contar com o Cardeal. Quando se fala em monarquia, lembro-me muitas vezes destes reis que foram um triste exemplo a desbaratar as riquezas dos descobrimentos... Um mau rei não é melhor que um PR, com a diferença que fica lá de pedra e cal! ;)
EliminarE sim, as crendices da época deviam ser mais que muitas, o livro também refere algumas... de passagem!
Boa noite! :)
Li, em tempos, um livro infantil da Alice Vieira e algumas das suas crónicas.
ResponderEliminarFiquei com curiosidade de ler "Os Profetas", mas tenho que esperar até visitar o Porto, porque não posso estar sempre a pedir livros.
Hoje tive serviço na biblioteca e trouxe 3 livros:
"Winter of the World" de Ken Follett
"Sing You Home" de Jodi Picoult
"El cuaderno de Maya" de Isabel Allende
Conheces, ou antes, já leste algum destes romances?
Costumo ler as crónicas de Alice Vieira, li alguns (poucos) dos seus livros juvenis - já era crescidinha quando ela começou a escrever para crianças e jovens... Mas este é para adultos. E, para ser franca, não é dos meus preferidos: o tema em si é um bocado místico e deprimente!
EliminarQuanto a esses livros, não li nenhum. No ano passado li um de Ken Follett e gostei bastante, mas ainda não calhou ler mais nenhum. Jodi Picoult vai ser lida para o próximo clube de leitura (nunca li nada da autora), mas o livro é outro. De Isabel Allende li os dois livros mais ou menos autobiográficos - "Paula" e "A Soma dos Dias". Desta por acaso tenho um livro em stand by na estante, mas também não é esse... ;)
Respondi ao teu comentário sobre o filme "Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres", e como sempre, um testamento.
EliminarJá li, EMATEJOCA! :)
EliminarEste vou apontá-lo para aconselhar a alguns alunos leitores.:))
ResponderEliminarObrigada pela fantástica sinopse!:)
beijinhos
Desde que os alunos não sejam muito novinhos, porque embora a escritora escreva de forma leve, o tema é um bocado pesado, NINA... ;)
EliminarBeijocas!
Pela sinopse parece bem interessante.
ResponderEliminarUm abraço
Especialmente para quem se interessa pela História, ELVIRA! :)
EliminarUma abraço
Um livro cuja temática passa além fronteiras, portanto... Pelo que se ficou a saber hoje, a Inquisição está muito actuante em Itália.
ResponderEliminarNão estava a ver onde a Inquisição atuou em Itália, mas com um clique cheguei à crónica publicada no Expresso, Carlos! Com a qual concordo a 100%, escusado será dizer... :)
EliminarAlice Vieira esteve aqui, creio que no ano passado, na Gladstone Library. Não tive oportunidade de assistir ao lançamento do seu livro (não me recordo neste momento o título) porque tomei conhecimento do evento poucas horas depois de já ter terminado. Tive muita pena.
ResponderEliminarFoi pena, porque ela é mesmo muito simpática e uma boa comunicadora, CATARINA! Mas a maior parte dos seus livros são juvenis (não é o caso deste), portanto se calhar nem te interessava por aí além. Embora eu tenha lido alguns desses juvenis, que gostei francamente! :)
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