Há muitos, muitos anos, um casal amigo dos meus pais convidou-me para ir passar férias e fazer companhia à filha deles, cerca de um ano mais nova - teríamos talvez 12 e 11 anos, respetivamente. O destino: São Pedro de Moel! Nesse tempo as crianças e adolescentes tinham uns bons três meses de férias, os adultos que trabalhavam, com sorte, usufruiam de uma ou duas semanas. Portanto, a ideia era depositarem-nos em casa dos avós maternos, que viviam lá e tomariam consta de nós, o casal só nos iria levar e buscar. Eu gostava dela, que conhecia desde sempre, cheirava-me apenas a brincadeira e não tive nada a opor - e mesmo que tivesse, se calhar nem teria feito grande diferença...
A minha amiga era filha única da filha única do casal já velhote (ou pelo menos mais do que os meus avós, a avaliar pelas cabeças brancas e a "banana" que a senhora usava como penteado imutável) e toda aquela família tinha tendência para a hipocondria. Além disso, a rapariga praticamente não comia. Ou só o que lhe dava na veneta. Os avós lá nos levavam à praia de manhã, mas por vezes o nevoeiro era tão denso que voltávamos para trás. Em havendo um pouco de sol lá ficávamos um bocadinho, mas entrar no mar nem pensar, que mais encapelado do que aquele era difícil. Corríamos um bocado no areal, mas depois a avó chamava logo a menina, que estava a ficar "afogueada". E ela obedecia prontamente.
As refeições tinham horários rígidos e eram, para dizer o mínimo, frugais. Nunca fui de grandes comezainas, mas até ficava com fome no final - a ideia era que se ela comia pouco, eu devia comer o mesmo. A criada servia-me uma posta de pescada mínima e uma batata cozida, mas a dona da casa achava demais, ralhava com a sopeira e tirava-me metade do prato (e nunca gostei de peixe cozido com batatas). Vinha o pudim flan, aí abria-se o apetite da minha companheira, não tanto pelo pudim, mas pelo caramelo: comia-o todo, enquanto me restava um pedacinho de pudim, não muito maior do que o dela. (fora as vezes que ela ia à cozinha mamar uma lata de leite condensado, com o conluio da empregada, mas que também sempre dispensei!)
O repouso era obrigatório na hora da sesta, para dormir ou ler, "porque estava calor demais para sair à rua". Eventualmente depois dávamos uma volta pela vila ou brincávamos no jardim. Com moderação, obviamente, que ela não podia ficar muito extenuada. Uma vez por outra lá íamos à piscina oceânica, carota para o meu "abono de férias", a entrada dela era paga pelos familiares. Num fim de semana, foram os pais dela que nos levaram lá. O almoço, ainda mais frugal, de um único croquete! Mesmo assim, exigiram que fizéssemos uma digestão de 3 horas até darmos um mergulho. Naquele dia quente e de sol, ela decidiu participar num treino qualquer com um professor de natação, a seco, para melhorar a sua performance. Eu andava por ali cheia de vontade de me atirar à água, a perguntar quanto tempo faltava, de 5 em 5 minutos, imagino. E quando passou, aproximei-me dela junto à borda da piscina, de cócoras, a falar com um compincha da aula e vai disto, empurrão na menina. Mariquinhas e queixinhas, ai, ai, ai que se ia afogando, a correr para os pais. Sobrou um grande raspanete para mim e castigo para ambas, de volta para casa a pé (que esse nem pus na piscina). Ela ia danada comigo, os avós já se sabe a dizer amén, enfiei-me no quarto a ler, todos muito aflitos porque ela se podia constipar...
Como o castigo lhes pareceu pequeno e a parvalhona ainda se lamentava que lhe fazia pouca companhia devido às leituras, o bom do amigo dos meus pais retirou-me todos os livros que tinha levado. Aí abri a goela e chorei desmesuradamente, nem me lembro de qualquer outra brincadeira. Não sei se lhes disse que queria voltar para casa, mas o certo é que voltei nesse mesmo fim de semana. E já foi tarde!
Imagem da net.
Essa menina sofria da educação tipicamente à tuga: ai, coitadinha da menina! Ai, ai que se constipa! Ai, ai não se lhe pode tocar...
ResponderEliminarIsso foi uma descida ao inferno.
ResponderEliminarehehhehe Teté, que grande melga essa tua amiga :)
ResponderEliminarSei bem o que é passar férias (fazer companhia) a uma menina palerma...a "minha" menina era minha prima, filha única e cheia de manias, também era mimada, birrenta, mariquinhas, queixinhas, chata...era tudo.
Diferente, só os meus tios, pais desta menina, que eram uns queridos para mim e que muitas vezes estavam do meu lado...olha, se calhar era por isso que ela era chata, tadinha, tanta peninha que eu tenho dela eheheh
Beijinho :)
Li e lembrei-me de umas férias que passei com a minha cunhada Elsbeth na casa em Espanha: ela estava sempre a queixar-se, que eu só queria estar dentro da piscina ou a ler, em vez de estar à conversa com ela.
ResponderEliminarNão chorei nem me vim embora, mas nunca mais vou passar férias com ela.
Li também a posta sobre a livrarias tradicionais, que comento hoje à noite, pois estou já com um pé fora de casa.
Sua molestadora de meninas mimadas! Empurrar a pobre para a piscina. Shame
ResponderEliminarDevem ter sido umas férias e peras, Teté :)
possivelmente não tinhas à mão nenhum livro encadernado porque era uma boa forma de a calar! e se o resultado não fosse o silencio podia ser queixas com razão valida...
ResponderEliminarQue horror, Teté! E saber que essas férias de castigo foram passadas na bela praia de S. Pedro! Que fominha, hein? E que chatice!!! S. Pedro de Muel para ti, «JAMÉ»!!! ... Faz-me lembrar quando fui à Holanda num intercâmbio de diretores de escola. Fiquei em casa do meu colega diretor uma semana e, nem quero que me falem! a fominha que eu passei! Enfim, coisas da vida...
ResponderEliminarBeijinhos
Passar fome e ainda te tiraram os livros que gente estúpida e sádica :s
ResponderEliminarBons velhos tempos :D
ResponderEliminarBjs
Gostava de saber como ela estará agora. Já enfezada provavelmente numa cadeira de baloiço com uma mantinha nos pés para não constipar.
ResponderEliminarRealmente essas férias não foram lá muito excitantes. :p
Beijos
Essa menina deve ter tido um belo futuro, com uma educação assim...
ResponderEliminarQuanto às suas agruras ( passar fome e ficar sem livros) confesso que ainda me fizeram sorrir. É que eu também conheci gente assim, para quem a leitura era um comportamento desviante...
Castigo mesmo, credo!
ResponderEliminarS. Pedro de Moel era razoavelmente "frio"no verão, por isso a tua amiga fazia os possíveis para te aquecer os dias. É de amiga!
ResponderEliminarCom amigos assim, os teus pais andavam mesmo de olhos vendados.
Vinga-te agora e mergulha em Carcavelos, qual prancha de surf a cortar as águas.
Beijinho Tété
S. Pedro de Moel era razoavelmente "frio"no verão, por isso a tua amiga fazia os possíveis para te aquecer os dias. É de amiga!
ResponderEliminarCom amigos assim, os teus pais andavam mesmo de olhos vendados.
Vinga-te agora e mergulha em Carcavelos, qual prancha de surf a cortar as águas.
Beijinho Tété
Pois, mas quem não estava habituada estranhava, ANA. Naquele tempo não era assim muito comum as meninas porem e disporem... ;)
ResponderEliminarUm inferno terreno, RAINHA, que se calhar é pior... :)
ResponderEliminarEsta não era minha prima, mas nós às vezes, para facilitar e não explicar a história toda, apresentávamos como tal, MARIA! ;)
ResponderEliminarA mãe e a avó viviam a correr atrás dela, para ela pôr o chapéu porque estava sol ou vestir o casaco de malha à menor brisa. Eu gostava dela, mas nunca tinha passado férias com ela. Facto é que nunca mais voltei a passar! =))
E sim, essa tua prima tem algumas semelhanças! :D
Beijocas!
Mas aí já devias ser mais crescidinha, EMATEJOCA, para ela ser tua cunhada... :))
ResponderEliminarE claro que nunca mais fui passar férias com ela, porque eu só tinha 12 anos, mas cheguei a casa, contei tudo e afirmei perentoriamente: NUNCA MAIS! :P
É que a intenção nem era molestá-la, VIC, no meu modesto entender ela devia estar tão desejosa quanto eu de mergulhar... Mas era muito mimada e egoísta mesmo! :)
ResponderEliminarForam férias para esquecer, sim, mas peras nem as vi... :))
Os livros que lia na altura eram fracotes para esse efeito, VÍCIO, o que foi uma pena... Mas sim, assim talvez surtisse algum resultado mais positivo! :D
ResponderEliminarEheheh, sabes que me lembrei de relatar estas férias por ter visto as fotografias de São Pedro de Moel no teu blogue, GRAÇA? :))
ResponderEliminarMas não, nunca mais voltei a ir de férias para lá (pudera!), embora aqui há uns anos tivesse dado lá uma voltinha com o maridão e até achei a vila mais bonita... :D
Há sempre umas pessoas que têm uma noção de refeição assim a dar para o muito simples... até demais! ;)
Beijocas!
Gente estúpida, podes crer, LOPESCA! Sádica era mais ela, que queria toda a gente às suas ordens e a famelga alinhava... :P
ResponderEliminarVelhos tempos de certeza, agora bons... nem por isso, WHITE_FOX! ;)
ResponderEliminarPerdi o contato com ela há muitos anos, PSIMENTO, mas já não tem a mãe e os avós para lhe apararem os golpes. Sei que vive sozinha, o que não é para admirar com aquele feitiozinho, provavelmente continuará hipocondríaca... ;)
ResponderEliminarNão foram, mas também há erros que não se repetem! :)
Beijocas!
Hoje quando penso nisso, CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA, concluo que me levaram para fazer de "dama" de companhia da menina, em troca de umas parcas refeições... ;)
ResponderEliminarE certamente que o pai não considerava a leitura um comportamento desviante, mas se eu estava ali para "servir" a menina, óbvio que não podia distrair-me com outras coisas! O "dever" chamava-me... =))
A menina teve um futuro muito solitário, devido ao feitiozinho que a própria família fomentou! E não deixo de ter pena dela por isso...
Foi, LUISA, mas não voltou a acontecer! Miúda prevenida, já não cai noutra! :))
ResponderEliminarSe queres que te diga, KIM, ela era uma chata, mas a culpa daquele feitiozinho também era da famelga que lhe aparava os golpes todos!
ResponderEliminarOs meus pais, tal como eu, não podiam adivinhar a racionalização da comida no dia a dia (e nem que o fizessem comigo), nem que o convite fosse para andar a apaparicar uma menina mimada. Eram mais sãos, viam apenas uma oportunidade de também apanhar ar e me divertir... :))
Agora ondas, só no Algarve! Se não os ossos rangem... :)
Beijocas!
Que experiência horrorosa!!
ResponderEliminarIsso não foram férias, foi um pesadelo digno de um filme de terror!
Fica bem, rrss
pois, pois, eras fresca eras :D
ResponderEliminarÉ, não foi agradável, não, SÃO! Mas para filme de terror ainda faltavam lá uns vampiritos ou coisa... :))
ResponderEliminarBoa noite pour toi!
Fresca, moi, MOYLITO?!? Nem pude dar um mergulhito, de modo que de fresca devia ter pouco... =))
ResponderEliminarHá certas “peripécias” que nunca se esquece! : )
ResponderEliminarE não te lembras da morada dos tipos? Acho que mereciam que lhes enchessem a caixa do correio com um vespeiro, mais uma nota "Sei o que me fizeram no verão de não sei quantos". Beijocas!
ResponderEliminarbelas férias...
ResponderEliminarcastigos impostos por outros que não os meus pais? isso é que era bom! mais depressa me levavam a casa
Pois não, CATARINA! A memória também serve de aviso para não voltar a repetir a dose... :)
ResponderEliminarA pressa era tanta para me pirar dali para fora, que até esqueci a morada, RAUF! :))
ResponderEliminarBeijocas!
Ah, naquele tempo toda a gente castigava os miúdos, W. E às vezes até fervia uma lambada ou outra. Não neste caso, note-se! Mas tens razão, os tempos mudaram... :)
ResponderEliminarDito isto, já vi muito miúdo a merecer uma boa lambada e os paizinhos a assobiarem e a olharem para o lado, como se não fosse nada com eles... ;)