Se ao começar a ler este livro pensei que iria conhecer um enredo consentâneo com uma autora laureada com o Nobel da Literatura, depressa descobri que não seria o caso: a escrita de Doris Lessing está lá, evidentemente, mas do modo mais despretencioso possível, evidenciando apenas uma das suas facetas - a enorme atração que sempre sentiu por gatos. Ou, dito de outra maneira, estas 165 páginas poderiam ter sido intituladas como "Os gatos da minha vida" ou algo do género.
Nitidamente autobiográfico, as personagens humanas diluem-se em mãe, pai, ela própria e um vago nós (referindo-se às pessoas que com ela viviam em determinada época), concedendo todo o protagonismo aos felinos. Na verdade, o livro é composto por duas histórias, a primeira escrita em 1967 e a segunda em 1989, embora nesta última refira novamente a gata cinzenta, protagonista da história anterior. De qualquer das formas, ambas as histórias não são inteiramente cronológicas, por vezes recordam a meio episódios ocorridos com outros gatos.
A gata cinzenta e a gata preta, que coexistiram simultaneamente na sua vida, rivalizaram sempre pela sua atenção. Mas a autora demonstra algum arrependimento por uma decisão que sentenciou o destino diferente de ambas: a cinzenta foi "preparada", a preta não! E se a primeira se tornou solitária e numa insensível torturadora e caçadora de ratos e pássaros, que exibia como troféus, embora se recusasse a comê-los, a segunda dedicou-se aos prazeres da maternidade, dando à luz ninhadas atrás de ninhadas, que educava com desvelo até serem entregues a gente da vizinhança. E ainda "chamava um figo" às vítimas da outra, já desinteressada das infelizes criaturas...
Noutra fase e com outros dois gatos, a escritora encontra Rufus, um gato abandonado e doente, que intencional e lentamente se aproxima dela (ou assim interpreta a escritora), no intuito de encontrar novamente um lar. Esta segunda história é mais curta e comovente, revelando o enorme carinho da autora pelos bichanos. Que partilho, daí ter gostado tanto desta leitura tão singela quanto aprazível - se bem que, eventualmente, possamos estabelecer algum paralelismo entre o comportamento dos felinos e dos seres humanos!
Citações:
"A gata teve quatro gatinhos, e o filho ficou sentado a seu lado durante o parto olhando, lambendo-a nas pausas de trabalho, e lambendo os gatinhos. Tentou meter-se no ninho com eles, mas levou uma patada nas orelhas por esta recaída no infantilismo."
"«Todos os dias», disse ele, amargo, amargo, «telefonam. Eu vou. Há uma árvore linda. Levou cem anos a crescer - o que somos nós comparados com uma árvore? Eles dizem, corte a árvore, está a estragar as minhas rosas. Rosas! O que são rosas, comparadas com uma árvore? [...]»"
"Tudo isto se passava na cozinha, geralmente na cadeira, que ele tinha medo de deixar. O seu lugar. O seu pequeno lugar. O seu buraquinho na vida. E quando saía para a varanda, vigiava-nos, não fosse o caso de lhe fecharmos a porta, porque mais que tudo, receava ser fechado fora da porta, e se fizéssemos qualquer movimento parecendo que iríamos fechar a porta, ele apressava-se dolorosamente para dentro de casa e para cima da cadeira."
Como amante de gatos/as tenho que ler! :))
ResponderEliminarObrigada pela informação!
Abraço
Suponho que todos os que gostam de gatos/as gostarão de ler, ROSA! :)
EliminarAbraço
Conheço a autora, mas não me lembro de ter lido algo dela.
ResponderEliminarApaixonada por felinos , sempre fui...mas tive uma lindissima e meiga cadela dálmata que encheu o meu coração.
Que tenhas bom dia , sem a chuva que aqui cai.
Confesso que até ela ter recebido o Nobel, SÃO, não fazia a mínima ideia que esta escritora existia. Segundo li por aí, a maior parte das suas obras mais recentes são de ficção científica, que é coisa que não leio... ;)
EliminarHá sempre animais que nos cativam mais que outros, a "discussão" se se gosta mais de cães ou gatos parece-me árida: depende dos bichos com quem tivemos mais contato! :)
Por aqui também caiu aquela "molha tolos" - e desprevenidos, que se põe junto ao semáforo, sem contar com condutores apressados e descuidados que parece fazerem questão de passar com as rodas nas poças de água... :P
Bons sonhos!
acho que ela devia ter uma alimentação mais variada!!!
ResponderEliminarE tinha, VÍCIO, aquilo era mais um "pitéu" para gatas gulosas! :)
EliminarConheço bem a obra de Doris Lessing, mesmo muito antes de ela ser a 11ª mulher a ganhar o Prémio Nobel de Literatura.
ResponderEliminarComo também gosto muito de gatos, não admira, que tenha comprado e lido este livro, na tradução alemã.
The Golden Notebook também gostei muito de ler, mesmo sem gatos.
Abração da amiga de longe, que acha a Noite dos Óscares muitíssimo mais agradável do que a de ontem.
Calculei que já terias lido, EMATEJOCA! Mas eu não a conhecia antes disso. E sim, essa parece que é uma das suas obras mais célebres, mas por cá muitos dos seus livros estão esgotados e os que não estão têm preços exorbitantes! Não se entende...
EliminarE sim, imagino que a noite dos Oscares costume ser mais divertida! Já que não tenho termos de comparação com noites de eleições americanas... :)))
Abraço
Fiquei com a pulguinha a saltitar de tanta vontade de ler.
ResponderEliminarSerá porque me apaixonei por gatos ou pela simplicidade da escrita?
Nada conheço da laureada. Talvez seja desta.:))
beijinhos
Se calhar pelas duas razões, NINA! Este já estava aqui na estante há uns tempos (foi oferecido ao maridão), mas ainda não tinha calhado!
EliminarBeijocas!
Concordo em pleno, é 1 livro sem qualquer pretensões. É um ensaio sobre gatos, os da autora.
ResponderEliminarÉ o único que li de Doris Lessing (devo ter escrito qualquer coisa no SILÊNCIOS..).
Vou fazer uma confidência: a minha gata chama-se Doris, e não foi por acaso que dei-lhe esse nome..
:)
Se calhar é por não ter essas pretensões literárias que se lê tão bem, MIGUEL! Porque também nunca li mais nenhum da escritora... :)
EliminarEssa da tua gata se chamar Doris tem piada! :D
post scriptum: existe uma edição anterior a esta, com ilustrações; também da Livros Cotovia.
ResponderEliminarNunca vi em lugar nenhum, deve estar descontinuada.
Pelo que li no site da FNAC, há uma série livros dela que estão indisponíveis, o que aponta nesse sentido, MIGUEL! Não se entende... ;)
EliminarE sim, esse das ilustrações também lá consta!
Curioso que ao ler a 1ª citação, fez-me recuar aos meus tempos de criança, sempre que essas situações aconteciam ! ... e eu ali ao lado, muito quietinho a apreciar o "esforço", o "amor", e os cuidados que a gata mães de imediato lhes dedicava !
ResponderEliminarImagens que ficam para sempre ! Era a "andorinha" e os seus filhotes ! :)))
Saudades !
.
É verdade, há imagens que nos ficam na memória. E muitas vezes de coisas tão simples como essa tua "andorinha" a cuidar dos seus filhotes... :)
EliminarCom peso e medida, saudades e boas lembranças são bem-vindas! :D
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