Alguém sabe o significado da palavra cafuné? Ou de cova-do-ladrão? Bom, a primeira definição de Mário Zambujal não é inteiramente coincidente com a dos dicionários - os que têm entrada para a palavra de origem brasileira, que não são todos! - e provavelmente a mais próxima da do linguajar do coronel Coreolano, na primeira versão da telenovela "Gabriela, Cravo e Canela" exibida em Portugal. Onde, aliás, foi a primeira vez que a ouvi...
Palavras à parte, Mário Zambujal é sempre uma boa opção para começar as leituras do ano e "Cafuné" não é exceção: um romance alegre e divertido, que decorre num outro período negro da nossa História - o dealbar do século XIX, as invasões francesas e a fuga da família real para o Brasil, levando consigo todo o tesouro próprio ou do reino. Quer dizer, quase todo, que na agitação do embarque alguns caixotes, contendo obras de arte ou pratas, acabaram esquecidos no cais...
Nada disto é novidade para historiadores, nem para os interessados ou estudiosos da nossa História, mas trata-se essencialmente de um romance, que tem como pano de fundo essa época, sem o escritor pretender aprofundar o lado histórico - antes dando-lhe um toque picaresco e vagamente erótico.
Destinado ao mosteiro por dona Décia - "solteiríssima senhora cujo único excesso era a religiosidade", que tomara aos seus cuidados para sustento e educação o sétimo filho da lavadeira e do almocreve, por estes não saberem como alimentar mais uma boca - frei Urbino de Santiago, embora desejoso de ampliar conhecimentos e honrando a sua castidade, cedo abandona os muros onde em adequada idade fora enclausurado. Num país onde o analfabetismo ronda os 90%, frei Urbino alcança o posto de bibliotecário da Casa Real e as boas graças do príncipe D. João e de sua mulher Carlota Joaquina. Mas abundam as invejas na Corte e acaba por ser destituído do cargo, não sem recompensa pelos serviços prestados: "um tanto à socapa, como ainda hoje acontece em negócios públicos, foi-lhe atribuída uma tensa mensal vitalícia."
Porém, no primeiro dia do século XIX, salva um jovem e robusto rapaz, Rodrigo Favinhas Mendes, da perseguição de três galifões, que acusam o mariola de desrespeitar a morgada que servem. O acusado afirma não ter havido intenção e os serviçais são incumbidos de transmitir à senhora as desculpas do rapaz. Mas, apesar dos seus 17 anos incompletos, Rodrigo não é assim tão inocente: o excesso de testosterona já o apanhou de calças na mão (ou sem elas) diversas vezes. A amizade entre o casto ex-frade e o mocetão mulherengo cresce a partir do momento em que frei Urbino o acolhe na sua casa e, posteriormente, lhe arranja colocação na casa de um comerciante, cuja sobrinha Dália o toma ao seu serviço como secretário...
243 páginas de leitura muito agradável - principalmente para quem gosta de história - convidando à boa disposição!
Citações:
"Decrescendo a produção de ouro, embirrou o governador em que o reino de Portugal havia de continuar com os proventos [...] estabeleceu uma derrama que enfureceu os proprietários locais e mais gente abastada. Calcula-se que lhes subtraíam uns vinte por cento dos lucros e nem os consolaria se adivinhassem que, mais de duzentos anos depois, o Estado, entre ierrésses, ivas, imis e um carrossel de taxas, puniria mais severamente qualquer português mediano."
"Não é a muita sabedoria que abranda aquilo que tende a endurecer por feitiço das graças femininas. Há exemplos de cientistas, mestres, eruditos, para quem um simples par de pernas arrebita o que guardam dentro das calças."
"Santa Engrácia é que tem a fama toda mas obras portuguesas, geralmente, são coisas para ir fazendo e com derrapagens nos custos."
"Decorreria o acto em recomendável discrição, não fosse a extravagância de escolherem como retiro o galinheiro ao fundo do quintal. À sua entrada permaneceu dormente a criação, mas não tardou que gemidos e movimentos dos intrusos despertassem os galináceos para um banzé que tanto poderia significar pânico como apoio e incitamento, tipo claque. Isto, dada a semelhança de algumas posições com devaneios de galos e galinhas."
Ahhhh cafuné é muito bom :)))
ResponderEliminarBeijocas e um Bom Ano!!!
Pois é, POPPY! :)))
EliminarBeijocas e bom ano para ti também!
Parece-me uma proposta interessante, a leitura do livro e o cafuné! :-))
ResponderEliminarAbraço
O livro, o cafuné e o bom humor do escritor, tornam-se uma combinação agradável, ROSA! :)))
EliminarAbraço
Acho este senhor muito interessante, gosto sempre das suas entrevistas. E o livros que já li dele, agradaram-me. Pelo que tenciono ler este.
ResponderEliminarBeijinho.
Já o vi ao vivo várias vezes, SÃO, e parece um homem simples, simpático e bem-humorado! Os livros parecem refletir a personalidade do escritor... :)
EliminarBeijocas!
It sounds interesting!
ResponderEliminarO único livro que tenho dele (fui confirmar) é “Histórias do fim da rua”.
Abraço
Já li vários livros dele, incluindo esse, CATARINA! Este suponho ser o mais recente... :)
EliminarAbraço
Ainda não li mas parece ser interessante.
ResponderEliminarUm abraço e um excelenete 2013
Do meu ponto de vista é, ELVIRA! :)
EliminarAbraço e excelente 2013 para ti também!
Desde a crónica dos bons malandros, até ás histórias do fim da rua, longe é um bom lugar, uma noite não são dias... que me delicio com Mário Zambujal. Cafuné ainda cá não mora, mas não tarda.
ResponderEliminarBeijinho.
Desses que referes, VITOR, suponho que só não li "Longe é um bom lugar". E ainda li outro intitulado "À noite logo se vê", que deu azo a alguma confusão e a umas boas gargalhadas... :)))
EliminarBeijocas!
Uma ternura
ResponderEliminarsempre desperta
Verdade, MAR ARÁVEL! :)
EliminarDeve ser um romance muito bom! Outro dia estava ouvindo a entrevista com um historiador brasileiro e ele dizia que a corrupção é coisa antiguíssima no Brasil, começou no tempo do império com D. Pedro! Querida, um ano repleto de alegrias prá você e toda a sua família! Bjks Tetê
ResponderEliminarInfelizmente, TETÊ, corrupção é coisa antiga, suponho que até mais que isso! Pior é que ninguém está muito interessado em a erradicar de vez... :P
EliminarObrigada e votos de um excelente ano para ti e todos os teus! :)
Beijocas!
Nunca li nada do Mário Zambujal, mas já agora, até vou ver se está traduzido em alemão.
ResponderEliminarSaudação literária!
A leitura é agradável, EMATEJOCA, embora não muito literária! Mas prefiro uma boa história a alguma literatura que não entendo... :)
EliminarSaudações literárias para ti também! :D
Sempre ouvi dizer que "A cova do Ladrão" é aquela zona que vai desde a nuca até ao meio da cabeça (parte de trás) - Supostamente o 1º sitio onde aparecem os piolhos nos miúdos... LOL
ResponderEliminarMário Zambujal, não me agrada muito, gosto da pessoa, e gosto bastante de o ver na televisão. Enquanto escritor, li Histórias do Fim da Rua e Crónica dos Bons Malandros... não apreciei muito.
É exatamente isso, NUNO, mas esse é termo português (e suponho que comum ao português do Brasil), cafuné é sem dúvida de origem brasileira.
EliminarLi os dois livros que referes e gostei de ambos! Não podemos partilhar sempre as mesmas opiniões... :)
Ora aqui está uma boa sugestão de leitura.
ResponderEliminarE o título é logo convidativo.
Bjs e bfds
Também gostei do título, PEDRO COIMBRA! :)
EliminarBeijocas!
Vou ter de ler, está visto...
ResponderEliminarObrigada
Bj
E bem precisamos bem leituras divertidas, BLUE SHELL! :)
EliminarBeijocas!
Vale sempre a pena ler os livros do meu amigo Zambujal, porque são garantia de boa disposição.
ResponderEliminarÉ isso mesmo, Carlos, boa disposição garantida... :)
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