Elizabeth não nascera em berço de ouro, mas sempre fora tratada como uma princesa pela mãe, Ernestina, que almejava para ela um futuro de rainha. Aliás, o próprio nome da bebé, de caracol loiro e olho azul, fora escolhido tendo em conta o da soberana inglesa. Para dar sorte!
Conheci-a na escola primária, onde ela se evidenciava pela sua longa cabeleira loira no meio de tantas crianças morenas, mas também pela sua inteligência, pelo seu porte e voz melódica. A escola era pública - possivelmente porque os pais não tinham posses para mais - mas já frequentava aulas de ballet e de canto. Possuía também um grande sentido de humor, por vezes maldoso. E os vestidinhos que usava? Cada um mais bonito que o outro, carinhosamente costurados pelas mãos de Ernestina, modista de profissão. E qual é a professora que não simpatiza com uma aluna que aprende rápido o que lhe ensina? Fomos amigas, nesses tempos, defendi-a sempre perante algumas invejosas...
Certo é que a vida dá muitas voltas e cada uma de nós seguiu rumos diferentes. Os pais mudaram de casa, perderam-se os contactos no bairro e os números de telefone. Tropeçámos uma na outra, já adolescentes e em plena época natalícia, na baixa lisboeta. Elizabeth ia carregada de sacos de compras. Resolveu descansar uns minutinhos e convidou-me para tomar um chá, numa cafetaria próxima do elevador de Santa Justa. Eram quase 5 da tarde! Escolhi um bolo com chantilly para o lanche, ela uma torrada sem manteiga. Preservar a elegância já custava naqueles tempos! A conversa decorreu amena e sem intervalos, a família dela estava boa e a minha também, contou que tinha entrado para o teatro, com um pequeno papel inicial, mas tinha esperança de melhor no futuro. Felicitei-a e prometi ir ver a peça, com os bilhetes que me ofereceu na altura, que nem me recordo como se chamava, sei que vi e não achei grande piada - os musicais revisteiros nunca me entusiasmaram... No entanto, constatei que também ali ela era a verdadeira estrela: secundária que fosse, o acesso ao camarim estava entupido de homens maduros. O meu pai, que me acompanhara ao espectáculo, é que não estava disposto a esperar na fila, ensonado q.b., após um longo dia de trabalho e uma noite de cantoria. Assim, limitei-me a rabiscar num papelucho uma mensagem de "gostei de te ver em palco e felicidades", que pedi a um funcionário dos bastidores para lhe entregar!
Apesar da sua fugaz carreira teatral, Lizzy, o seu apelido artístico, tinha chamado atenções suficientes e era convidada assídua de programas de televisão, onde apresentava, representava, dançava e cantava, consoante o mote. Continuava bonita, até mais deslumbrante do que na juventude, com curvas de mulher, uma voz mais maviosa, uma postura sinuosa, elegante e um pouco sobranceira. Simultaneamente, os convites para as festas frequentadas pelo jet set nacional multiplicaram-se, as revistas cor de rosa publicavam tudo o que lhe dissesse respeito - Lizzy nas festas, na praia, de férias, nas compras e todas as indumentárias que usara em cada ocasião.Até cair a bomba: ia casar! O noivo tinha o dobro da sua idade, sangue azul a correr-lhe nas veias, além de possuir vastas propriedades rurais no Alentejo. Por amor, repetiam ambos embevecidos diante das câmaras fotográficas! O casamento foi memorável, entre grandes destaques nas revistas ou a pequenas notas na imprensa dita mais séria - a aliança entre a elegância e a distinção aristocrática...
Entretanto, os anos passaram, nunca mais se soube nada da Lizzy ou da Elisabeth. Certo dia, numa breve visita ao bairro da minha infância, pensei que a via a uma janela, a estender roupa no estendal. Ainda me ria com a confusão, quando ela começou a cantarolar. Parei. Olhei melhor. Não queria acreditar! Especada no passeio do outro lado da rua, ela notou a minha presença. Acenei-lhe de longe, timidamente, e ainda na dúvida. E não é que ela me sorriu e acenou de volta?!
Fotografia de Vitor Fernandes, amigo bloguista e facebookiano, e grande fotógrafo amador. Obrigada pela permissão, Vitor!
ps - para quem não sabe, vim verificar se a fauna e a a flora algarvia permanecem no mesmo lugar... por um curto período! Em descanso do estendal lá de casa, que nunca me faz cantarolar...
será que entendi bem o significado da foto?
ResponderEliminarela deixou de preservar a elegância nesse tempo em que estiveram sem se falarem?
Grato pela foto. Gostei da forma como contaste a história da Lizzy. Pelo regime acredito que as cuequinhas dela não sejam assim tão grandes :)
ResponderEliminarExcelente narrativa.:)
ResponderEliminarEsta tua história fez-me lembrar as vezes que encontro ex-alunos a exercerem cargos que não os preenche. Envergonhados, mal me dirigem a palavra...mas lá acenam.
Oxalá a tua Lizzy esteja de bem com a vida e consigo.:)
beijocas
Bem, a foto é sugestiva e pode ter muitos significados, mas palpita-me que a Lizzy voltou ao tempo do sangue vermelho já que o sangue azul se terá finado por divórcio do abastado marido.
ResponderEliminarE quando algo corre mal, também o estrelato se apaga e a noite chega mais depressa.
Beijinhos Tété
KIM
(Agradeço esta oportunidade de ser mostrada roupa interior)
ResponderEliminar;)
A vida dá tantas voltas... Obrigado pelos parabéns e boa continuação de mini-férias.
ResponderEliminarNão sei, VÍCIO! Cada um entende como quiser... :))
ResponderEliminarNunca se sabe, VITOR, uns anos depois... :D
ResponderEliminarSe há alguém que tem de agradecer, sou eu! ;)
Não é bem narrativa, NINA, mas um mini-conto ficcional. Na base, sim, pode cruzar várias historietas reais... porque só sei escrever sobre o que conheço! :)
ResponderEliminarMas, se queres que te diga, também já encontrei antigas explicandas "envergonhadas", que nem aceno fizeram. Enfim, nem entendo o porquê, que afinal a vida não está fácil para ninguém... ~xf
Beijocas!
Também suponho que sangue vermelho e azul têm alguma incompatibilidade, KIM, que não será dos dias de hoje... :))
ResponderEliminarE sim, o final cada um construirá à medida da sua imaginação... :D
Beijocas!
Ah, ainda bem que gostaste da roupa interior, OOPS! =))
ResponderEliminarAh, se dá, CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA! Mais uma vez, parabéns e obrigada! :)
ResponderEliminarps - os blogues também servem para termos direito à indignação, certo? daí, não ter sugestões de "melhorias"... ;)
Estou a ver que as herdades do Alentejo foram trocadas por estendais cheias de cuecas... beijocas!
ResponderEliminarPS: de férias outra vez? Vamos ter de nos chatear...
Devo dizer que este foi dos teus posts que mais gostei. As historias do quotidiano por vezes podem ser tão interessantes e agradáveis de se ver. Espero que te voltes a cruzar com Lizzy nem que seja mais uma vez e quem sabe não podem por novamente a conversa em dia. O teu texto também me fez recordar alguns colegas de escola que há muito não vejo e que perdi o contacto. Quem sabe não me cruzo com eles um dia, nem que seja no facebook.
ResponderEliminarBeijos
Nunca se sabe que trocas e baldrocas a vida dá, RAFEIRITO! :))
ResponderEliminarBeijocas!
ps - as férias "nascem" para todos... :-L
A história é ficcional, PSIMENTO, embora cruze várias que conhecemos de vez em quando... :D
ResponderEliminarE sim, quem não "perdeu" de vista amig@s porque mudaram de residência, de terra, de país, etc. e tal? Então no tempo em que ainda os telemóveis não eram comuns, podes imaginar... ;)
Beijocas e obrigada!
A fama é fugaz e um estendal não tem como fugir à realidade. :))
ResponderEliminarÉ isso aí, LUISA, a fama é efémera... a realidade nem por isso! :)
ResponderEliminarroupa interior? eu a pensar que ela tinha arranjado emprego na força aérea a lavar pára-quedas :D
ResponderEliminarPois, se calhar visualmente os pára-quedas não são muito diferentes, MOYLITO... =))
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