terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

NA BOCA DO LOBO...

Não me querendo repetir, mas já me repetindo, vou relatar o episódio que aconteceu no liceu D. Pedro V, algures lá para o ano lectivo de 1972/73, quando foi cercado pela PIDE/DGS. OK, tinha apenas 13 ou 14 anos, mas há momentos que ficam para sempre gravados na nossa memória!
A minha turma tinha aulas no turno da tarde, no pavilhão A4. Este era o mais distante das salas de convívio e de professores (e o intervalo de 10 minutos curto para ir até lá), mas no início dessa tarde notava-se alguma agitação no ar: constava que uns estudantes do Técnico estavam dentro da escola. De princípio nem ligámos muito, mas logo se propagou que estavam a ser  perseguidos pela PIDE/DGS e aí já quase todos adivinhávamos problemas, mesmo com poucas ou nenhumas noções de política.
A campainha tocou para a entrada e os professores demoraram bastante a chegar, mas lá avistámos a nossa de português, convenhamos que com alívio - tinha a alcunha de "drogaria ambulante", devido às maquilhagens carregadas que usava habitualmente, mas mesmo assim estava notoriamente pálida. Mas pelo menos teve a coragem de ir à aula, o que não aconteceu com outros. O pavilhão A4, além de isolado atrás do ginásio, tinha uma vista privilegiada para a rede de arame que dividia a escola dos terrenos baldios limítrofes e, lá no fundo, tinha uma escapatória (buraco na rede) utilizada por todos os alunos que queriam sair, sem passar pelo portão. 
Sem nos apercebermos do porquê, de repente, começámos a ver colegas de outras turmas a fugir esbaforidos, para a única alternativa que conheciam. Mas nós, que estávamos dentro da sala, conseguíamos observar a barreira de homens que entretanto se formara e circundava a escola e o modo como recebiam ou iam ao encontro dos fugitivos "suspeitos": ao murro e à cacetada! Tentávamos avisar pelas janelas para não fugirem, mas a desorientação de todos era enorme! A professora já tinha trancado a porta da sala, por via das dúvidas, com um "aqui ninguém entra!". E se o pânico estava instalado lá fora, dentro várias raparigas também choravam, algumas quase histéricas. Alguém teve a ideia de cantarmos. E cantámos, enquanto assistíamos, impotentes! Às tantas a professora lembrou-se que podíamos ser confundidos com rebeldes e calámo-nos imediatamente! Depois contaram-se anedotas, embora ninguém tivesse vontade de rir. A campainha tocou novamente para intervalo. Apesar das "distracções" os choros continuavam. Mas saímos da sala com "normalidade", tal como a docente recomendou, sossegados e colados às paredes. Tocou outra vez! A aula era de matemática e a professora chamava-se Laura Galo. Não deu abébias nenhumas a mais choradeiras, voltámos ao glorioso mundo das equações...
No dia seguinte, alguns dos nossos colegas ostentavam sinais da violência que foram alvo - nada de muito grave, umas poucas cabeças partidas e umas tantas nódoas negras a mais. Não chegaram a ser detidos ou presos, nem levaram a carecada reservada aos verdadeiros activistas: a maior parte dos coitados nem tinha nada a ver com aquilo, eram apenas putos de 13 ou 14 anos!
Evidentemente, nada disto foi noticiado na época! Mas, acreditem ou não, aconteceu realmente...

24 comentários:

  1. é preciso ter em conta que miúdos com essa idade são potenciais revolucionários políticos!!

    o pavilhão A4 era um pouco mais pequeno que o A3, não era? :d

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  2. Sacana do Vício, roubou-me a piada... mas é bom que estes episódios sejam relatados, para que os putos de agora pensem na sorte que têm. Se acontecesse agora algo do género, o mais certo era meterem no Facebook "ena, pá, ganda onda k tá a acontecer na escola, na volta nem temos aula".

    Beijocas!

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  3. Há 46% de inquiridos que não vão concordar contigo. eheheh

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  4. Rafeiro, tens provas que a piada era tua?
    eu processo-te por calunia, ouviste?

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  5. Perdi o comentário.
    A culpa é que estou com o portátil pequeno.
    Volto já!

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  6. O que é feito desses miúdos revolucionários?
    Algum chegou a Ministro dos Negócios Estrangeiros como o nosso ex-ministro, Joschka Fischer, que nos anos 68 também andou à pedrada com a polícia.
    Mais tarde casou 5 vezes e só veste fatos Armani, e teve a lealdade de dizer que "estar no poder é uma droga"!!!
    Os revolucionários de hoje sao os ditadores de amanha.

    Prefiro o Woody Allen!!!

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  7. Resposta ao teu comentário:

    Para mim, como mulher, os ditadores mais horrorosos não foram os latino-americanos, mas sim, Khomeynī e Mahmoud Ahmadinejad.

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  8. Anónimo2/01/2011

    Este episódio fez-me lembrar os ataques da polícia à Faculdade de Direito em 1969.
    Estive na semana passada na D.Pedo V a fazer entrevistas. Coinicdências...

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  9. epá, tenho que vir ler melhor isto, agora é um pouco tarde para mim. mas adoro estas histórias (em 1972 tinha 2 anos.... ops)

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  10. Outros tempos, outras mocidades.

    Recordo bem como a senhora professora se comportou na saula de aula aquando do 25 de Abril. Antes disso nem sabia o que era política e similares.

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  11. Oh, se são, VÍCIO! Revolucionários e conspiradores também! :e

    Não, as dimensões não correspondiam às das folhas... :)

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  12. Eheheh, normalmente também preferíamos não ter aulas, RAFEIRITO, mas com aqueles boatos e confusões (e o medo, evidentemente!) naquele dia ficámos aliviados em ver a professora... :))

    Tu entende-te com o Vício, pá! :n

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  13. Os tais pessimistas do costume, MOYLITO, que falam com nostalgia dos tais "bons velhos tempos"... :D

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  14. Há registo/patente de piadolas, VÍCIO?! Ui, isso é que devia ser uma sessão de tribunal divertida... =))

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  15. Bem-vinda, CIGONINHA!

    É verdade... :)

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  16. A idade e o aburguesamento costuma ser uma desvantagem para os ideais revolucionários, EMATEJOCA! Mas nem todos vão tão longe como esse ministro e normalmente também não são tão sinceros... ;)

    Mesmo assim, também prefiro o Woody Allen!

    Tens razão, no aspecto que concerne aos direitos das mulheres, que esses ditadores não reconhecem! Mas aos outros tanto lhes faz que sejam homens ou mulheres: chacinam todos por igual! Venha o diabo e escolha... :p

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  17. Pois, CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA, essas investidas nas faculdades foram divulgadas pós 25 de Abril. Destes episódios ocorridos nos liceus, não me consta, e certamente que não terá sido só no meu...

    Coincidências acontecem! :)

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  18. Pois, TERESA DURÃES, eras muito novinha para recordares episódios que se passavam no dia a dia da época... embora este fosse esporádico! :)

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  19. Eheheh, PAULOFSKI, fui espreitar o teu link e recordei essa história fantástica, da professora que fugiu e vos deixou sozinhos na sala... :D

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  20. Teresa
    Sabes que me lembro muito bem desse dia? Eu fugi para o telhado, imagina! E houve um colega nosso, de que não digo o nome, que foi efectivamente detido, embora só por essa noite, e levou mesmo uma carecada.
    O nosso liceu voltou a ser invadido, depois do 25 de Abril, lembras-te?

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  21. Bem-vindo, queria a senhora dizer...

    Obrigado.

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  22. TERESA, alguém esquece aqueles momentos de pânico e aflição?! Duvido muito! Mesmo assim, a minha turma teve muita sorte com os professores, que não se baldaram, evitando fugas apressadas...

    E sim, é possível que alguns tivessem ficado detidos ou levassem as ditas carecadas, do que me lembro de amigos e conhecidos não passou de nódoas negras e de uns pontos em poucas cabeças. Mas com essa idade e na época alguém era revolucionário???

    Quanto à "invasão" pós 25A lembro-me perfeitamente, até acho que já escrevi por aqui, mas tenho de procurar... :)

    Beijocas!

    ps - não sabia que tinhas fugido para o telhado!

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  23. CIGONINHA, desculpa, foi sem intenção... :)

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)