quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A OPERETA DOS VADIOS

Francisco Moita Flores escreveu uma farsa. Romanceada. Em que se por um lado reconhecemos os tiques de muitos dos nossos governantes dos últimos 30 e tal anos, com toda a sua prosápia, pretensa sabedoria e um umbiguismo indisfarçável na sua ascensão ao poder, ao ponto de nos fazer rir às gargalhadas, por outro não deixa de apresentar todo um povo que sonhou com um Abril em Portugal, para passar a ser testemunha inerte e pouco participativa no que se refere aos destinos do país...
Como farsa romanceada que é, um grupo de amigos cinquentões, dos mais diversos quadrantes políticos e áreas de conhecimento, dispõe-se a abanar o sistema instituído e a formar um novo partido - o Partido Unionista Necessário (PUN), cujo nome infeliz, só por si, dá azo a muita discussão! - patrocinado por Zé Francisco, antigo líder estudantil anarquista, milionário por morte do pai, que vive em Paris rodeado de abastança, com sombra de remorsos na consciência. É ele que escolhe o líder do PUN, Carlos, um ginecologista, tido por ser o mais sensato e apartidário de todos, mas apoiado por todo o grupo. O médico aceita participar na brincadeira, não tendo qualquer veleidade a ser eleito, mas não conta com o empenho desenvolvido por Telhal, um eterno estudante de Filosofia e actor nas horas vagas, ou com a multifacetada prestação do ex-espião Fernando ou com a enorme crença de Eva, sua própria mulher, que ele será a pessoa indicada para chefiar um novo governo.
Entretanto, o bando do Felismino (leia-se, o primeiro-ministro recentemente deposto e os seus companheiros ministeriais!) não está disposto a perder o poleiro e serve-se de todas as estratégias ao seu alcance: envia cartas anónimas para a polícia e/ou jornalistas, pondo em causa a vida pessoal dos seus opositores; e, para animar os comícios, contrata um pastor de uma seita religiosa brasileira, conhecido por curar pessoas com joelhos doentes ao vivo e perante a assistência...
Um livro agri-doce, porque se por um lado rimos com a farsa, por outro percebemos que de algum modo retrata a política nacional, naquelas facetas mais obscuras de corrupção, golpes baixos e truques sujos - é um "déjà vu", embora caricatural!
CITAÇÕES:
"- Deixaram de ser a esquerda quando perderam a alegria e se transformaram em ressabiados. Deixaram de ser verdadeiros para se transformarem nos outros: demagogos, manipuladores de emoções, populistas. Às vezes, acordo zangada comigo por ter vivido tantos anos alimentando aqueles velhos discursos reaccionários enroupados de andrajos revolucionários."
"O futebol dominava as notícias. Um novo reforço do Benfica, um tipo que parecia um inca peruano e falava em castelhano, estava em todos os noticiários, convicto de que ia marcar muitos golos e de que o seu sonho de sempre fora jogar no clube encarnado. O Governo caíra na noite anterior, um acontecimento fabuloso numa altura em que o povo vociferava impropérios contra a miserável condição a que a bancarrota o sujeitara e discutiam-se as qualidades atléticas do novo reforço da Luz."
"- Os conservadores vão a jogo com qualquer um. Desde que tenham dois ou três ministros ficam satisfeitos. Sabem que nunca passarão de uma muleta. Pelo menos ganham prestígio - e, como se fizesse um aparte, acrescentou: - E mais qualquer coisita."

16 comentários:

  1. Um livro a considerar mediante uma sinópse tão esclarecedora. Muito bem escrita.

    ResponderEliminar
  2. Gostava muito de Francisco Moita Flores quando ele participava nos Casos de Polícia...hoje nem tanto, e nunca li nada dele.

    Dizes: "Um livro agri-doce, porque se por um lado rimos com a farsa, por outro percebemos que de algum modo retrata a política nacional, naquelas facetas mais obscuras de corrupção, golpes baixos e truques sujos - é um "déjà vu", embora caricatural!"

    Para isto basta-me ver os noticiários ou ler jornais, principalmente quando sabemos ler nas entrelinhas 8-/

    Mas fica a recomendação :)

    Beijinho :)

    ResponderEliminar
  3. Nunca li nada de Moita Flores; mas se for tão bom escritor como guionista, estamos conversados...

    ResponderEliminar
  4. Anónimo8/24/2011

    Normalmente sou fã das séries televisivas do Moita Flores, mas nunca li nada dele.

    ResponderEliminar
  5. Gosto muito da escrita de Moita Flores, CATARINA, que não sendo especialmente literária é acessível a todos, quer em contornos históricos, como de costumes da sociedade ou de pura diversão, como este! :)

    Se não desse para perceber que é uma caricatura dos governantes da nossa praça, provavelmente ainda tinha mais piada... ;)

    ResponderEliminar
  6. MARIA, gosto da escrita de Moita Flores (é o 6º livro que leio da sua autoria, um deles em conjunto com a Felícia Cabrita, que também foi série de TV sobre o caso "Ballet Rose"), nem sempre partilho das suas opiniões. As sobre as touradas, simplesmente, abomino! :-w

    Mas continuo a considerar que gostar de um escritor não significa gostar do homem que escreveu as palavras que nos encantaram, através de risos ou emoções! Como nos filmes... :D

    Mas não tem nada a ver com noticiários, embora o jornalismo faça parte da intriga!

    Beijocas!

    ResponderEliminar
  7. Bem-vind@ FANATIC READER!

    Pessoalmente, acho o Moita Flores um bom escritor! Como guionista, também me parece dos melhores da nossa praça, embora diminuta! Mas gostos são gostos, claro... :)

    ResponderEliminar
  8. Não sei se gostaria deste livro, CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA, porque tenho a certeza que iria reconhecer, mais do que eu, as politiquices fajutas cá do burgo. E ao mesmo tempo que nos faz rir, também nos irrita... ;)

    ResponderEliminar
  9. Olha, Tete, eu fiquei tão mas tão mas tão chocada com a opinião dele sobre as touradas que... o bani. :(

    ResponderEliminar
  10. Quando li "A OPERETA DOS VÁDIOS" lembrei-me da "Ópera dos Três Vinténs", de Kurt Weill e Bert Brecht, uma adaptação da "Beggar's Opera", de John Gay.
    Afinal é um romance do Francisco Moita Flores, e nunca li nada dele, mas fiquei com curiosidade.
    Há tantos livros que quero ler quando chegar ao Porto em Setembro.

    Abração da Teresa

    ResponderEliminar
  11. Também fiquei chocada, ANA, mas isso não impede que goste do que ele escreve... :D

    ResponderEliminar
  12. Pois é, EMATEJOCA, há sempre um livrinho mais a piscar-nos o olho! E por acaso (ou não) este romance também começa com uma ida à ópera, no São Carlos, mas era "Katia Kananova" (que não conheço) e não essa... :D

    Abração!

    ResponderEliminar
  13. as citações foram bem escolhidas porque ilustram perfeitamente o post :) estive com este livro na mão e... se calhar fiz mal em não o trazer :)

    ResponderEliminar
  14. Sem dúvida, mas eu tenho esta mania de naõ conseguir dissociar a pessoa da obra :D é por essa mesma razão q tb não leio o Lobo Antunes :P

    ResponderEliminar
  15. Suponho que és capaz de gostar, MOYLITO! :))

    ResponderEliminar
  16. Não simpatizo muito com Lobo Antunes, ANA, mas não é por isso que não o leio. Só de ler o título "Exortação aos Crocodilos" (um dos que tenho aí nas prateleiras), começo logo a abrir a boca... ~xo

    E o meu marido até leu e não me soube explicar o que tratava, o que só por si é esclarecedor, que ele sabe-se explicar muito bem! :D

    Mas pronto, não serás a única a ter essa mania! :))

    ResponderEliminar

Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)