terça-feira, 10 de agosto de 2010

A FÚRIA DAS VINHAS

"Recortado no horizonte, sentado sobre as patas traseiras no cimo da escarpa, o lobo levantou o focinho aos céus. Soltava um uivo de mau agoiro que se dissolveu nos silvos da ventania rasgada pelas arestas afiadas dos penhascos que apertavam o Rio. Soprava de nortada, gelado e rijo, em vagas alteradas, vergando o que restava das videiras, encarquilhadas e retorcidas, roídas na alma e na seiva pela fúria da praga que ainda há pouco chegara, vinda das encostas do Peso e do Pinhão."
Assim começa este romance de Francisco Moita Flores  (com enredo policial, note-se!), que nos leva ao mundo da Ferreirinha e do seu combate à filoxera nas margens do Douro do século XIX, enquanto a populaça persegue e mata lobos de contornos demoníacos, segundo as superstições comummente aceites por padres, bruxos e pelo barbeiro-regedor, "homem de verdades feitas", na crença de serem os culpados da morte de algumas raparigas da região. Quem não acredita nisso é Vespúcio Ortigão - um bacharel (graças à generosidade de D. Antónia em pagar-lhe os estudos), depois de uma infância de mendicância e penúria, devida à morte do pai, cónego de Trancoso - que dá os primeiros passos na investigação criminal, tal como hoje a conhecemos.
Contudo, "não se admirava o jovem advogado da vaga de medo cuspida pela autoridade do barbeiro. Cada comunidade era um mundo fechado sobre si, que as montanhas separavam de outros mundos, ao mesmo tempo que retinham a história, permitindo que o velho tempo medieval resistisse às arremetidas da racionalidade."
Embora possa nunca ter referido aqui, aprecio bastante a escrita de Moita Flores, simples e clara, por vezes quase poética ou irónica, mas muito agradável e compreensível por todos. Nestas 318 páginas o protagonismo é dividido por D. Antónia Ferreira, com o seu amor às terras e vinhas do Douro, e por Vespúcio Ortigão, tido como doido pela maioria do povo, dadas as suas ideias avançadas para a época (fruto de muitas e variadas leituras)! Mesmo incompreendido não esmorece e o final... é para quem o queira ler! 

Citação (só mais uma!):
"[...] Esta gripe pode também surgir como um sinal de 'Morbus litteratorum'.
Foi Crisóstomo quem perguntou:
- O quê?
- Uma doença que ataca pessoas que estudam ou escrevem em excesso. Os humores precipitam-se, o espírito descontrola-se e os órgãos perdem a vitalidade. Foi a doença que vitimou Pascal, que antecipou a morte de Mozart e de  muitos outros iluminados. É uma doença que é um castigo directo porque quem se apaixona pelo saber até aos limites da cegueira não cumpre o respeito que merecem dias santos e festas de guarda, absorvido pelo entusiasmo que mais não é do que o sintoma maior da doença."

MUITO BOM!

14 comentários:

  1. Huuuummm bom enredo.Mas,estou a descansar dos livros também.Pelo menos por agora.Devo gravar imagens daqui e das pessoas ao meu redor,o motivo bem sabes....afinal
    saudade contida é um mal terrivel.
    Obrigada pelo carinho de sempre!
    Beijo e cheiro!

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  2. Quando li o título da postagem, pensei que ficaras perdida nuns vinhedos e viveras uma situação de terror. Ainda bem era um romance e por cima gostaste. Tomo nota do autor. Conhecia o nome de vê-lo pelas prateleiras das livrarias, mas nunca li nada dele. Mas continuo a fazer a "lotería primitiva" todas as semanas, ver uns milhãocitos me reformam para ler até rebentar. ;)

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  3. a furia dos vinhos talvez me marcassem mais que a das vinhas...

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  4. O título faz-me lembrar "As vinhas da ira", de John Steinbeck (e é isso).

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  5. Hummm este não me convence pela capa nem pelo título :)

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  6. Fazes bem, KÁTIA, que a vida não é só livros, também há que matar as saudades contidas... pelo menos para já!

    Boas férias, amiga! :z

    Beijocas com o carinho de sempre! :D

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  7. Ler até rebentar não me parece grande ideia, SUN, mas quanto a "lotarias" espero que tenhas sorte... nunca se sabe! (nem eu sei, que não jogo, incrédula nessas "sortes"!) :))

    Quanto ao livro, não sei se vais gostar do estilo simples da escrita... mas eu gosto! ;)

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  8. Mas a dos vinhos é bastante mais perigosa, VÍCIO!

    Hic! ~xc

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  9. São vinhas bastante diferentes, I, se bem que não tenha lido esse livro de Steinbeck (vi o filme, há muitos anos, com o Henry Fonda salvo erro!)... :)

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  10. Eheheh, LOPESCA, também não estou aqui para convencer ninguém!!!

    Gostei e é só! :))

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  11. Fiquei com vontade de conhecer o autor. Além disso faz tempo que não leio policiais. Já sinto a falta! ;) E até estou com sorte, porque sei de uma amiga que o tem em casa. :)

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  12. Por acaso acho que vais gostar, TONS DE AZUL... :))

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  13. já vi à venda e achei piada ao título. tenho que acabar o Sallinger, depois o Poe e talvez seja um próximo, brevemente

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  14. MOYLITO, ele tem um mais recente intitulado "Mataram o Sidónio", que também ando de olho nele... :D

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)