
Em quantos quiproquós se pode meter um homem? Em muitos, se ele se chamar Marcelino Bandeira Fagundes da Gama...

No seguimento de
"Coca-Cola Killer",
António Victorino D'Almeida oferece uma leitura completamente alucinante, sobre as diatribes de Marcelino - homem fascizóide, mesquinho e centrado no seu umbigo, pouco esperto por natureza - que ascende a cargos diplomáticos à conta de muita lambebotice aos ricos e poderosos, em troca de alguns "favores" (evidentemente!), que o levam a enveredar pelos sinuosos caminhos da política, da diplomacia, da religião, da música rock, do futebol e da pornografia. Dono de um palavreado empolado, raramente entende o significado das missões duvidosas que lhe atribuem, o que o leva a vivenciar situações bastante caricatas e bizarras. Na sua ambição desmedida de promoção social (e consequente dinheirama), sem discernimento suficiente para se olhar ao espelho, considera-se um
"cidadão correcto e exemplarmente cumpridor dos seus deveres sociais e privados, carenciado de faltas ou pecadilhos dignos de confissão..." Na verdade, arrogância e presunção não lhe faltam, nomeadamente junto aos seus subordinados e gente do povo.
Mas as personagens abstrusas de "Tubarão 2000" não se limitam ao narrador/protagonista, multiplicam-se em catadupas: o professor Napolearte Bonapão (cujo pai era adepto de Napoleão Bonaparte, mas, infelizmente, o funcionário do Registo era meio surdo e não entendeu bem o nome), que gosta de pregar estalos em caras alheias - inclusivé na de Marcelino; o cineasta Lúcio Luz, que realiza longuíssimas metragens muito aclamadas em França, mas que ninguém entende, e ainda tem uns "ataques" de baba quando alguém o critica; Carvalhedas, um anão devasso num cargo importante, que se esmera numa vingança contra um arquitecto camarário, por não conseguir chegar aos botões de cima do elevador; uns criados paraguaios, recomendados pela nova-rica Ludovina Mocho, que são hábeis no uso das armas; e muitos, muitos mais...
488 páginas de puro gozo e 'non sense', mas que de alguma forma retratam caricaturalmente algumas pretensas "elites" da sociedade actual. Em suma: ADOREI!!!
CITAÇÕES:
"Obriguei-me a reagir ao estado de estupor, espetando a ponta de um canivete numa nádega, o que me levou a soltar enormes gritos de dor, não tanto pela ferida, muito superficial, mas sobretudo pelo efeito do álcool que achei conveniente espargir na região atingida, e que escorreu como um implacável caudal de lava incandescente para zonas tão recatadas como sensíveis!"
"[...] um posto como aquele que ocupava em Londres exigia um conhecimento minucioso de todos os diários e hebdomadários: horas por dia ocupado a ler as linhas e outras tantas a decifrar as entrelinhas, que são muito mais complexas, pois não têm nada escrito!... [...]"
"De Lisboa, com viagens e estadias pagas por várias entidades oficiais, veio uma animada comitiva de trinta e nove pessoas, mas só oito estiveram na projecção, devido a enxaquecas, telefonemas urgentes e confusões de fusos horários que retiveram as outras nos hotéis, fora as que se enganaram nas ruas e deram por si na plateia de outros espectáculos."
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PARABÉNS, MICHEL!