quinta-feira, 23 de junho de 2011

COMO É QUE SE ESQUECE...?

Como é que se Esquece Alguém que se Ama?  
"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar."
Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

Nota 1: encontrei este texto no facebook e fiz copy+paste para o transcrever aqui, não toquei numa vírgula ou acento, suponho estar devidamente credenciado ao autor; nestas coisas de internet nunca podemos garantir ao certo, ainda recentemente uma amiga me chamou a atenção para uma lamechice atribuída a Shakespeare, que mais parecia um manual de auto-ajuda de uma seita qualquer...
Nota 2: é raro transcrever textos alheios, mas adorei esta crónica - quem é que nunca se sentiu assim, perante a adversidade de uma separação imposta (pela vida ou morte) ou de vontades que não nos pertencem?

10 comentários:

  1. Anónimo6/23/2011

    Curioso...
    Eu não gostei tanto assim e olha que nem parece que seja pelo autor em causa-não gosto nem um bocadinho dele.
    Este texto impressionou-me porque quer aliar sensibilidade a realismo e transformou-o, quanto a mim, num texto demasiado frio...demasiado terra a terra. Se estivesse numa destas situações (e já estive), não me parece que gostasse de o ler ou que lê-lo me fizesse bem, mas isso sou eu que não suporto blocos de gelo, sobranceria e frieza e não me consigo distanciar da pessoa que está por detrás da escrita, seja ela quem for.:)

    De qualquer forma, obrigada pela partilha.
    Um gde beijinho e bom S.João.:)

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  2. Um excelente texto.
    Aprecio Miguel Esteves Cardoso, pela sua reverência, ironia e modernidade do seu pensamento.

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  3. (O que me faz pensar que a amplamente divulgada luz que se vê ao fundo do túnel, quando morremos, é na realidade o estar a ser empurrado da vagina da nossa mãe rumo a uma nova vida...)

    ;)

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  4. O MEC tem a extraordinária e não suficientemente valorizada capacidade de escrever de forma a fazer parecer que é muito simples fazê-lo. Como sempre, mesmo com temas complicados, o texto é leve e aparentemente simples. É bom ler MEC.

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  5. Por acaso, NINA, não sou muito influenciável com a ideia que tenho de qualquer homem/mulher, no que se refere à escrita - se escreve bem (que a meu ver é o caso do MEC), gosto e pronto! Da escrita, porque quanto a arrogâncias e sobrancerias, que alguém que não eu os ature... :))

    Podia dar alguns exemplos, mas não o vou fazer (não é o caso do MEC). Mas adorei o texto, até porque também já me senti assim. A "frieza" talvez advenha de uma certa lógica de quem já vivenciou uma experiência dessas e a analisa "a posteriori". Porque no momento, é óbvio que ninguém consegue racionalizar assim... ;)

    Beijocas e bom S. João para ti! :)

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  6. Também gosto muito da escrita do MEC, CARLOS! Mais até de textos mais irónicos que este... :))

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  7. OOPS, já li tantos comentários teus, que já não me lembro se algum foi por aqui! Mas bem-vindo à mesma! :D

    Quanto a essa luz no fundo do túnel no momento da morte, normalmente é associada à "passagem" para o Céu, Paraíso ou o que lhe queiram chamar. Mas dos relatos existentes, ninguém ultrapassou essa barreira, de modo que até pode ser essa tal reencarnação... ;)

    O texto não refere tanto os que partem, mas os que ficam... :)

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  8. Também gosto muito, MOYLITO! E sim, é dos poucos escritores que tem essa capacidade de pôr em palavras simples aquilo que nos vai por dentro em certos momentos, como se fosse claro como água... :)

    Com humor e desdramatizando, em vez de empolar! :D

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  9. Anónimo6/26/2011

    O MEC tem destes rasgos.
    Em tempos li um texto dele sobre as mulheres e lamento ter-lhe perdido o rasto. Era um verdadeiro espanto.
    Gosto do "gajo"
    Beijinho Tété
    Kim

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  10. Oh, KIM, ele tem tantos e tão bons, que até já deram vários livros! E sim, também gosto dele, especialmente na escrita, porque para a oral, frente às câmaras televisivas, o jeito é menor... :))

    Beijocas, amigo!

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)