terça-feira, 27 de abril de 2010

DURA LEX, SAD LEX

Já aqui referi que Stieg Larsson era um activista dos direitos humanos que, entre outras causas, defendia acerrimamente a igualdade entre sexos ou raças. Assim, empenhou parte da sua vida a desmascarar grupos da extrema-direita sueca, o que lhe valeu várias ameaças de morte, ao revelar (como jornalista, conferencista e co-autor de um livro) os aspectos mais tenebrosos dessas organizações. Como morreu repentinamente de ataque cardíaco, aos 50 anos, chegou a ser ponderada a hipótese de homicídio, o que nenhum relatório médico ou policial confirmou.

Bom, mas se ele já era conhecido na sua terra natal pelo seu activismo político, depois de morrer e do posterior sucesso da trilogia "Millennium", a sua fama expandiu-se a nível mundial. Até aqui nada de especial, mas o que se seguiu parece um filme de argumento duvidoso: desde 1972 que Stieg vivia com Eva Gabrielsson (também ela activista), sem terem filhos ou casado de papel passado. Uma das razões óbvias era proteger a companheira das ameaças que lhe dirigiam, porque segundo as leis suecas (da época?) para casar tinham de registar a morada oficial do casal - o que, convenhamos, não é a melhor ideia para quem foi várias vezes ameaçado de morte por grupos radicais.

Consta que o escritor escreveu um testamento nos anos 70, em que legava todos os seus bens a um movimento socialista, mas que o tribunal sueco não considerou válido, por falta de requisitos formais. Assim, perante a lei, foram considerados seus herdeiros o pai e o irmão - Erland e Joakim Larsson, respectivamente - com quem mantinha apenas contactos esporádicos. Aí começou a luta de Eva nos tribunais, não só pelo apartamento de Estocolmo onde viviam em conjunto e respectivo recheio, como pelos direitos de autor dos livros do companheiro, onde alegadamente também colaborou. Resumindo: ela acabou por ficar com a casa e os tarecos, os familiares com o restante montante exorbitante.

Curioso é que, tal como um mágico a tirar coelhos da cartola, a história não acaba aqui: ao herdar o laptop do malogrado escritor, ao ter acesso aos documentos como possível colaboradora (há quem afirme que foi Eva a escrever e Stieg a engendrar o enredo e a pesquisar), ela pode estar com "a faca e o queijo na mão" para publicar pelo menos mais um volume da série, senão mais três. Mas porque é que ela faria isso, se o resultado do seu trabalho iria directamente encher os bolsos daqueles familiares, que em nada contribuíram para a obra e nunca ligaram às causas que ele e ela defenderam?

Não me compete criticar decisões de tribunais estrangeiros (mesmo em relação aos portugueses é relativo), mas, no mínimo, parece-me ridículo que ao fim de 32 anos de vida em comum ainda se questione se @ companheir@ tem direito a herdar os bens. Há leis muito tristes nesta Terra...


Fotografia Eva Gabrielsson e Stieg Larsson em jovens, da net.

15 comentários:

  1. "Dura lex, sed lex" significa que a lei é dura, mas é para cumprir. Não, o "sad" não foi erro...

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  2. Quae vult rex fieri, sanctae sunt congrua legi

    http://www.enciclopedia.com.pt/articles.php?article_id=174

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  3. Ui, que bonito, VÍCIO! Alguma vez te disse que sou republicana convicta?! :D

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  4. por acaso a lei é dura mas de rins porque há muitos aspectos que o senso comum parece resolver de forma mais justa do que a própria lei, que deveria ser a materialização formal da operacionalização da Justiça, aqui como valor absoluto a atingir.

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  5. Eu, no lugar dele, tentaria reaver os tarecos.
    Onde é que já se viu tamanha afronta?

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  6. Quantos e quantos perderam aquilo que lhes competia receber por vontade dos tribunais? ah, nem fazemos ideia, mas d elonge a longe chega-me cada uma...
    Beijinho, laura

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  7. Às vezes é difícil enteder a lei.
    Contorna-se, contesta-se, aceita-se, renega-se, mas é a lei. A dos homens. A justa ou injusta!
    Beijinho Tété

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  8. Olá Teté, de facto considero que se perdeu um homem com muitas qualidades e que poderia ter dado muito mais ao mundo. Mas são coisas onde de facto não se pode fazer nada. Sabes identifico-me muito com a situação da Eva porque temo um dia estar na situação dela ou deixar alguém nessa mesma situação. Eu sei que falo muito no mesmo assunto mas também se não for eu a lutar pelos meus direitos mingúem o fará por mim.
    Desejo mesmo que Portugal ande para a frente e que falhas como estas não aconteçam a nenhum casa que tenha construído a sua vida em conjunto. Isto independentemente da orientação sexual ou género dos membros do casal…
    Beijos. :)

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  9. A Justiça só é Justiça, se as leis forem adaptadas consoante a realidade se altera, MOYLITO! Pelos vistos, na Suécia ainda há muitas leis obsoletas e fora de contexto real. O que dá numa "anedota" destas, sem graça, num dos países dito dos mais civilizados no mundo... ;)

    No meio dos tarecos havia um diamante em bruto, REIZÃO, daí a celeuma... :)

    Apesar de tudo, LAURINHA, hoje em dia cá não acontecia! Mas já aconteceu muitas vezes com outros casos, como todos bem sabemos...
    Jinhos, nina!

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  10. Oh, KIM, até percebo que haja casos de fronteira, onde não se sabe bem de que lado está a razão. Mas 32 anos de vida em comum e quem herda é o pai e o mano, que o homem só encontrava esporadicamente (nem eles negam isso)? Injusta, sem dúvida nenhuma! Logo na Suécia, um país dito civilizado... ;)
    Beijocas!

    Enganas-te, PSIMENTO, que este caso foi denunciado na imprensa estrangeira (possivelmente também portuguesa), com algum alarde sobre o disparate da legislação sueca neste domínio! O não poder fazer nada é relativo, que perante esta celeuma é possível a lei sueca seja alterada neste capítulo, com repercussões no futuro, com o pasmo internacional gerado.
    Também me parece normal que as pessoas se centrem nos assuntos que lhe toquem mais de perto. Daí até só focar um tema, é outra conversa.
    Em Portugal a legislação até está bem encaminhada nesse sentido, a união de facto já é consagrada na lei há bastante tempo, um caso destes não acontecia. E suponho que vai haver equiparação legal, mesmo sem papel passado... :)
    Beijocas!

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  11. Eu nunca entendi muito bem essa questão das heranças e acho que já não vou estar a tempo de entender. Eu se fosse rica, fazia com os egípcios, levava tudo comigo para a sepultura e acabaram os problemas. :z

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  12. Quando eu disse que não havia nada a fazer, referia-me ao facto de ele ter falecido. O resto há sempre alguma forma de lutar. Beijos :)

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  13. Bom, SUN, na verdade há famílias que se zangam por um pedaço de terra ou um casebre que não valem nada, mas aqui não era o caso! Imagina lá que vivias 32 anos com um gajo, e depois ele morria e o pai e o mano do fulano ficavam com tudo que tinham conseguido conjuntamente? Ela teve de lutar em tribunal pela própria casa onde vivia e respectivo recheio! Convenhamos que é obsoleto!!!
    (não estou a ver como levavas o teu palacete, na hipótese de seres muito rica, para dentro do sarcófago!) :h

    Pois, contra a morte não há remédio, PSIMENTO! E bem ou mal, mesmo aqui no simples bloguito, todos lutamos por algumas causas... :)
    Beijocas!

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  14. Depois de 32 anos a viverem juntos ela tem direitos e muitos, não interessa se estavam casados ou não. Se a família dele herdou foi da vontade dele, doutra maneira é impossível.
    Claro que me estou a referir à lei alemã, mas a Suécia é um país ainda mais evoluído do que a Alemanha.

    PS: Tirei a caixa dos comentários e agora tenho problemas para a colocar outra vez. Vamos lá ver se consigo!!!

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  15. Pelo que li nos livros de Larsson e por toda esta controvérsia sobre a sua herança, cheguei à conclusão que a Suécia ainda tem muitas leis obsoletas, EMATEJOCA! Mais que a Alemanha e até que Portugal, pelo menos neste capítulo de sucessões...

    E não, ele não deixou testamento válido! Se assim fosse, o caso não andaria a arrastar-se nos tribunais há anos.

    Já vi que conseguiste!

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)