Já lá vão mais de três anos em que referi um filme de terror de 1911, que narrava acontecimentos reais. Soube agora, ao ler este livro, que Francisco Moita Flores também escreveu o argumento para um filme mais recente, "A Morte de Diogo Alves" (1997) e que este ano decidiu publicar um romance ficcional sobre o mesmo tema: Diogo Alves foi um criminoso que, nos finais dos anos 30 do século XIX, roubou e assassinou as suas vítimas, atirando-as do alto do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa. Foi capturado e condenado à forca, conjuntamente com a maior parte da sua quadrilha. Resumindo: o(s) primeiro(s) (e único(s)?) serial killer(s) da nossa praça.
O que nos filmes pode parecer terror, aqui, à primeira vista, não tem sequer a estrutura de um policial - pessoalmente, parece-me mais uma história muito bem contada, que retrata uma época conturbada, conseguindo a proeza de quase nos sentirmos como os lisboetas de então: a enorme pobreza, a instabilidade e corrupção política, a criminalidade bárbara e o imenso medo do povo honesto, trabalhador e analfabeto perante poderosos e meliantes.
Manuel Alcanhões é um taberneiro de Alfama, humilde e analfabeto como 90% da população da época, que tem o sonho de aprender a ler e escrever - já que as contas para gerir o negócio lhe foram ensinadas ainda miúdo pelo seu pai, que morreu prematuramente ao juntar-se às tropas de D. Pedro IV. E é ele o protagonista do enredo, que vê juntarem-se na sua taberna alguns dos homens que planeiam os crimes mais hediondos, sabendo de antemão que ele nunca os denunciará, por medo de represálias sobre Isabel, a sua mulher e o grande amor da sua vida. Mas ele sente-se culpado, porque suspeita que a onda de "suicídios" do alto do Aqueduto são obra de Diogo Alves, confirmação que tem posteriormente por um cliente que pertence à quadrilha, mas que também está assustado com a malvadez do galego. Por essa altura, tentando compreender as suas dúvidas existenciais, sonda o padre Sales, um outro cliente (resmungão e miguelista convicto) que acompanha os condenados à morte da prisão do Limoeiro. E este oferece-se para o ensinar a ler e a escrever - já que ele própria almejava ser professor, em vez de confessor de bandidos - em troca do licor de poejo que bebe diária e habitualmente. Há lá coisa melhor que um homem cumprir os seus sonhos mais fantasiosos (de amor e instrução, no caso)? Mas onde fica a culpa, quando as mortes se sucedem com frequência, por vezes incluindo famílias e até crianças e se sabe quem cometeu os homicídios?
ADOREI!
Citações:
"Dia após dia, explodia um tumulto político, duques contra duques, generais contra generais, liberais contra miguelistas, padres contra maçons, cartistas contra vintistas, e pelas ruas fedorentas, atapetadas pelos excrementos de cavalos, de porcos e de galinhas, cresciam os assaltos, os assassínios, e organizavam-se quadrilhas onde se misturavam soldados e civis, numa balbúrdia tal que não se sabia onde terminava a rixa política e começava o crime."
"A morte não é mais do que isso, uma terrível ausência que sabemos jamais tornar a ser presença."
"O poder prefere a ignorância ao saber. É mais fácil governar uma corja de brutos, mesmo raivosos, mas que se deixa manipular, do que um país de sábios."
Nota: não resisti a experimentar o tal licor de poejo - que por acaso encontrei à venda numa feira algarvia - que o padre do livro tanto apreciava; tem uma cor linda e é bastante agradável, mesmo que não goste especialmente de bebidas licorosas...
"Dia após dia, explodia um tumulto político, duques contra duques, generais contra generais, liberais contra miguelistas, padres contra maçons, cartistas contra vintistas, e pelas ruas fedorentas, atapetadas pelos excrementos de cavalos, de porcos e de galinhas, cresciam os assaltos, os assassínios, e organizavam-se quadrilhas onde se misturavam soldados e civis, numa balbúrdia tal que não se sabia onde terminava a rixa política e começava o crime."
"A morte não é mais do que isso, uma terrível ausência que sabemos jamais tornar a ser presença."
"O poder prefere a ignorância ao saber. É mais fácil governar uma corja de brutos, mesmo raivosos, mas que se deixa manipular, do que um país de sábios."
Nota: não resisti a experimentar o tal licor de poejo - que por acaso encontrei à venda numa feira algarvia - que o padre do livro tanto apreciava; tem uma cor linda e é bastante agradável, mesmo que não goste especialmente de bebidas licorosas...
O livro deve ser muito bom pois até te levou ao licor!!!!
ResponderEliminarHá livros que até dá pena quando acabam.
Xx
Tenho um enorme preconceito em relação a Moita Flores!
EliminarÉ feio dizer isto, não está na minha maneira de ser mas fico com comichão só de ouvir falar dele!
Motivos políticos! :(
Abraço
Rosa dos Ventos
Verdade, PAPOILA! Este foi um deles... :)
Eliminarxxx
Moita Flores só me irrita (bastante) pela sua defesa das touradas, ROSA, não tenho preconceitos políticos em relação a nenhum escritor: se um livro me agrada, tento ler mais do mesmo escritor; se não, posso tentar ler outro, mas não insisto muito (não consigo ler Saramago, por exemplo, mas não advém da antipatia que nutria pelo homem). De Moita Flores já li vários e gostei de todos... :)
EliminarAliás, estou em crer que provavelmente não gostaria de conhecer pessoalmente muitos dos escritores que mais gosto de ler, pois ai se calhar já não conseguiria alhear-me tão bem do que são, relativamente ao que escrevem...
Abraço
Gosto muito de romances policiais e de mistérios, mas detesto o Moita Flores!!! Dele li apenas «Mataram o Sidónio» porque sempre me atraiu a figura do Presidente-Rei, mas chegou...
ResponderEliminarBeijinhos e boas leituras.
Também gostei muito desse, GRAÇA, especialmente da conclusão inesperada... :)
EliminarBeijocas
Desconhecia por completo o livro e o filme, mas fiquei curioso. Parece-me bastante interessante. Quanto ao licor de poejo, passo. Mas eu não sirvo de exemplo, porque não aprecio licores.
ResponderEliminarBeijinhos
Também não sou apreciadora de licores, mas até gostei deste, CARLOS! :)
EliminarBeijinhos
O Moita Flores escreve argumentos muito bons para televisão.
ResponderEliminarLivros....passo.
E os licores também.
Beijinhos
Vi pouco do que escreveu para TV, PEDRO, mas dos livros gosto muito. E do licor também gostei... :)
EliminarBeijocas
Já li o livro e gostei muito.Também li Mataram o Sidónio e a Ferreirinha gostei de todos.Gostava que alguém me explicasse( se souber) de onde vem o nome de tabernas que existem em todo o país com o nome de "PARREIRINHA" será que vem do nome de uma personagem que vem citada neste livro? Essa personagem existiu de seu nome Gertudes Maria com a alcunha de PARREIRINHA.
ResponderEliminarANÓNIMO, também gostei imenso desses outros livros do escritor, o da Ferreirinha intitula-se "A Fúria das Vinhas".
EliminarQuanto à dúvida, não sei a resposta, mas duvido que a mulher tenha influenciado tanto o nome de (futuros) estabelecimentos comerciais. Avento a possibilidade de algumas tabernas se chamarem de parreira ou parreirinha por venderem vinho. De qualquer modo, já reparei que os nomes das casas de comes e bebes não costumam ser muito inovadores, há quase um "telheiro" ou um "cantinho" em cada vilória... :)))
Fiquei interessada e também a saber que Diogo Alves era, afinal, galego.
ResponderEliminarLicor de poejo excepcional era o que comprava em Évora a um senhor de idade, que cumprindo a lei natural da vida, acabou por morrer, e , pelos vistos levou o segredo com ele.
beijinhos, ma belle
Vê lá tu, SÂO, que afinal o serial killer nem português era!
EliminarQuanto ao licor de poejo, acredita que este também era bem bom! :)
Beijocas
Conheço o Licor, mas não gosto de Licores nem de Moita Flores, no entanto li "Mataram o Sidónio" foi-me emprestado por uma enfermeira, eu não tinha nada mais para ler onde me encontrava hospedada em Coimbra para dar apoio a alguém que estava doente.
ResponderEliminarBeijinho e uma flor
Esse já li há 4 anos, mas também gostei bastante, FLOR DE JASMIM! Também não sou fã de licores - à exceção da ginginha - mas deste gostei. Enfim, há gostos para tudo! :)
EliminarBeijocas floridas!
EU aguardava a minha vez na fila quando vi o livro na estante e decidi folhear para entender o género de escrita. Confesso que as primeiras páginas ñão me apaixonaram. Larguei o livro e pretendi mais tarde regressar e ver se valia a pena o comprar. Só que entretanto deve ter sido adquirido por outra pessoa. Ainda acho que o tema podia ser abordado de modo mais cinéfilo e mais fantasioso.
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