domingo, 24 de agosto de 2008

A VELHA TIA

As velhas tias também já foram crianças e jovens um dia! Em alguns casos, com o passar dos anos, algumas características do temperamento amenizam-se, especialmente para aquelas que eram donas de todas as certezas e intolerantes para todos que transgredissem as regras da moral vigente.

Era esse o caso de Magdalena, que se opôs terminantemente ao casamento do sobrinho. Primeiro, porque já tinha em mente uma menina da alta sociedade para celebrar uma boda mais ilustre e conveniente, segundo porque a noiva escolhida não lhe parecia adequada. Ah, era uma pobre e humilde mulher do povo, boçal e sem educação? Não! Era filha de um vizinho do mesmo prédio, que conhecera e brincara com o sobrinho desde criança, tendo ambos a mesma idade. Contudo, a menina tinha vários atributos que não a tornavam recomendável: o pai enviuvara quando ela nascera e, escândalo maior, tivera e mantivera uma amante (noutra casa), relação da qual nasceram outros dois filhos "bastardos"; entretanto, a sua irmã mais velha também morrera prematuramente de tuberculose - sabia-se lá se não era doença de família? -, a avó pouco depois e agora acabara por lhe falecer o próprio pai, o que não pressagiava nada de bom quanto à sua situação financeira; acrescia ainda que a irmã do meio casara com um homem do povo, estudado é certo, mas sem qualquer tipo de pergaminhos.

O sobrinho não precisava de autorização de ninguém e casou! A tia, para demonstrar o seu descontentamento e contrariedade não compareceu à boda, cerimónia apenas para alguns familiares mais próximos, dado o luto. Mantendo o contacto com o sobrinho, nunca mais tocou no assunto, como se ele permanecesse um solteirão empedernido. Eventualmente falava ao telefone com a mulher dele, que ou o chamava ou dizia que não estava e então deixava a mensagem que tinha telefonado a tia Magdalena.

Um belo dia toca o telefone e era a tia novamente. Já com 90 anos e a viver num lar. "Ele não está!" E ela, sem lhe falhar a voz, "Eu sei, acabou de sair daqui! Era consigo que queria falar! Acho que já não faz sentido esta 'guerra'..." Tinham passado mais de 40 anos!!!

Assim, ainda tive o privilégio de conhecer e conviver com a celebérrima tia Magdalena, cuja idade amansara e que não era aquela megera que imaginara. Sabia rir e ainda contar histórias engraçadas das suas viagens: desde as férias em que foi de burro para Belém, na infância, até à sua última ida ao Brasil, precisamente pouco antes do dito telefonema. E mais teria feito, se o corpo não começasse a dar sinais de cansaço, que a cabeça funcionava lindamente.

Numa coisa estava redondamente enganada: os meus avós foram o casal mais feliz que já conheci!!! Até que a morte os separou... ao fim de 52 anos de casamento!

20 comentários:

  1. Estas histórias que mais parecem argumentos de filmes antigos a preto e branco são a sua base, na verdade...é a partir dos factos reiais que se buscam e encontram este género de episódios...e o nosso baú familiar com certeza está repleto delas!!

    :)))

    Esta, com um final feliz...que é como quem diz...quando tem um final nunca está a história acabada...

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  2. Pois é, SU, às vezes a realidade ultrapassa em muito a ficção (ou esta é mero decalque dela, por isso raramente tão surpreendente)!

    Suponho que todos nós temos algumas dessas histórias curiosas no tal baú familiar! :)))

    Beijocas, amiga!

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  3. Eu pensaba que o casal máis feliz era o teu... (é broma, claro). Gosto das historias com final feliz e non me parecen doutro século.

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  4. Ah, esta é definitivamente do século passado, CONDADO! (`_^)

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  5. 52 de anos de tormento?!

    É obra!

    ;)

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  6. Ainda bem que a tia Magdalena reconsiderou. Nestes casos´, é bem verdade que o provérbio 'mais vale tarde que nunca' se aplica. É certo que os 40 anos não se recuperam, mas tudo o que a partir daí se ganhou poderá compensar qualquer coisa. Sábios foram os teus avós, por terem tido a bondade de não lhe guardar rancor e permitir que vivesse o resto da sua vida sem aquela mágoa. Há pessoas que não sabem perdoar e são demasiado orgulhosos para estenderem a mão ou agarrar a que a eles se estende. Ainda bem que não foi assim.

    Também ando a ruminar uma reaproximação a uma amiga de há uns dias para cá...estes postes que vamos lendo às vezes abrem-nos mesmo os olhinhos!
    Beijinho

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  7. Eh, eh, eh, sim, CAPITÃO, também conheço quem esteja casado há mais de 50 anos, mas a viver como "cão e gato", daqueles bem quezilentos... :)))
    Aqui, não era o caso!

    SAFIRITA a minha avó era demasiado orgulhosa para dar o primeiro passo numa tentativa de reconciliação - afinal a tia é que a tinha repudiado - e sim, bastante bondosa para perdoar! Esquecer, é óbvio que não...
    Quanto a reaproximações, às vezes não nos cai mal reconhecer que cometemos uma argolada ou que agimos impetuosamente. Agora, está claro, também cabe ao "outro lado" avaliar a questão pelo próprio ponto de vista... Olha, pior não ficas! Se já estás afastada e o afastamento continuar, pelo menos aliviaste a tua consciência! Se houver reconciliação, melhor ainda! :)))
    Jinhos!

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  8. há que apreciar a sublime democraticidade da morte:)

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  9. um bom exemplo de como o preconceito por vezes nos faz perder tantas coisas agradáveis na vida!

    será que ela te ligou porque começou a sofrer de alzheimer e se esqueceu que não gostava de ti?

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  10. Tens razão, MOYLE, se há algo que não devemos duvidar é da democraticidade da morte: toca a todos! :)

    Eh, eh, eh, VÍCIO, estás-me a confundir com a minha avó, não? Não, não tinha Ahlzeimer, acontece que ela própria já tinha enviuvado, a maioria das suas amigas morrido, percebeu que não se podia dar ao luxo de manter velhas zangas, correndo o risco de ficar ainda mais só! ;)
    De qualquer das formas, isto já foi depois de 74 e as mentalidades moralistas de outrora já tinham levado a primeira grande varridela!

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  11. LOOL, no inicio pensei que a rapariga que casou com o sobrinho dessa tia eras tu, tete!!!! =D Afinal eram os avós! =D Ah, verdade verdadinha foi que pensei que ias escrever a critica a um livro que andasses lendo! =D assim que percebi que não, é que pensei que eras a heroína =D.

    Também tenho uma historia parecida. O meu tio avô casou com uma senhora 20 anos mais velha. Ele tinha 30 e ela 50. Foi um escandalo! a minha bisavó recusou-se a ir ao casamento do filho!! Mas ele casou na mesma. Só que não é uma historia com final feliz, porque a tia foi embrutando com a idade e ele acabou por se ver numa prisão. Que ainda dura, ele agora com 70 e ela com 90...

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  12. Eh, eh, eh, VAN, e eu lá tenho perfil de heroína?! :))) Nem sei sequer se teria a educação e delicadeza de lhe atender o telefone e de lhe transmitir os recados... Em dia mais aziago, sei lá, talvez me saísse "e eu tenho cara de pombo correio?"... :D

    Acho que quase todas as famílias tem histórias destas, de casamentos que foram mal vistos, por qualquer razão! Nem todos terminam bem, como é lógico!

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  13. Tetá linda história de amor. Tenho na familia um caso identico. A minha avó era filha de senhores com terras (nessa altura, ter terras era possuir riqueza consideravel). mas ela encantou-se pelo marialva qua andava na aldeia, de violao na mao a tocar serenatas. Saíu de casa para csar com ele, contra a vontade do pai dela, e foi deserdada. Mas ninguém a demoveu de seguir o que queria. Mulher mto azeda(sempre foi) mas que só por ter feito frente aos pais, numa altura em que esse tipo de acção não era mto bem visto, terá sempre a minha admiraçao. bjokas ;-)

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  14. Pois, Teté, passou-me como à Graf. Pensei que a 'desherdada' eras tu. Fizeste para ai um romance de mistério numa postagem.

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  15. É o que digo, ANA, em todas as famílias há baús por "desencantar"... :)))
    Uns com um final mais feliz que outros, mas "c'est la vie"!
    Jinhos!

    Romances policiais são os meus preferidos, SUN, já devias saber... (`_^)

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  16. Gosto tanto de ver casais com idades avançadas a passearem-se nos jardins ou na rua de mãos dadas...
    Faz-me pensar que relações de amor "eterno" são possiveis.

    Gostei da forma como contaste essa história.
    Li duas vezes :)

    Beijos :)

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  17. Por essas e por outras é que há pessoas a vender familiares no EBay...
    ;o)

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  18. Somos duas, PAX! Emociona-me mais ver velhotes de mãos dadas, ou a fazer uma carícia no braço ou ombro do parceiro, do que jovens engalfinhados, que parecem querer engolir-se um ao outro com grandes beijocas (percebo, mas não é tão emocionante)! :)))
    E ainda acredito no "para sempre", a dividir alegrias e tristezas... (se ainda não percebeste, sou uma idealista nata!) ;)
    Beijoca!

    SORRISOS, há sempre pessoas que vendem tudo! E daí?! Somos todos iguais? Naps!
    Educação e feitio contam bastante... ;o)

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  19. Estou cheio de sede, Teté!

    Só posso pronunciar-me após uma pinguita...

    ;)

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  20. Eh, REIZITO, está a faltar-te o "combustível"? Que não seja por isso, serve-te à vontade... :)

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)