domingo, 12 de maio de 2013

O PINTOR DEBAIXO DO LAVA-LOIÇAS

O livro tem apenas 170 páginas e muitos bonecos pelo meio. Olhos, muitos olhos, e mais uns quantos semelhantes ao da capa. Mas não se trata de um livro infanto-juvenil. A história em si baseia-se num facto real - a família do autor teve um pintor judeu escondido debaixo do lava-loiças durante meses, no decurso da II Guerra Mundial - mas a vida do pintor é ficcional.

Jozef Sors nasce numa grande casa do império Austro-Húngaro, filho do mordomo e de uma engomadeira, nos finais do século XIX. O proprietário da casa é Moller, um coronel do exército, que também tem um filho de tenra idade e logo decide contratar um precetor para tratar da educação de ambos, democraticamente. Ao contrário do que seria de esperar, os rapazes não se tornam amigos: Wilhelm é um leitor compulsivo, que considera que "a última página de um livro é a primeira do próximo", tal como os fumadores inveterados acendem um cigarro no outro; Jozef, por seu turno, é um desenhador frenético que, desde que aprendeu a pegar num lápis, não faz outra coisa senão desenhar em papéis, paredes, terra ou até em pensamentos; Havel Kopecky, o precetor, entende que o mais importante é ensinar-lhes filosofia desde cedo.

Um mordomo que não entende metáforas e abomina armas, um coronel sensível que por vezes enfeita o cabelo com flores, a menina Frantiska que mora na casa vizinha e que adora que lhe empurrem o baloiço enquanto concebe estranhas teorias, são algumas das personagens inverosímeis que influenciam o jovem Jozef, também ele atreito a elaborar uma teoria sobre "o problema da dispersão e a lei de Andronikos relativa à árvore de Dioscórides". Complicado? Nem por isso, já que adolescentes cheios de certezas teóricas nunca faltaram, nem faltarão. Até ao pintor se esconder debaixo do lava-loiças de um fotógrafo da Figueira da Foz, pois, só várias páginas depois e muitos anos volvidos...

O livro é muito imagético e recheado de metáforas, onde se sucedem frases sentenciosas e de uma certeza inabalável, para nos capítulos seguintes descobrirmos que, afinal, certezas e teorias também podem cair por terra, mesmo que já seja tarde para emendar o engano. Não se trata da defesa desta ou daquela "verdade", mas de sintética, ingénua e quase poeticamente traçar a linha dos pensamentos de um ser humano, à medida que cresce e evolui. Surrealista, também!

Curiosa também foi a discussão no Clube de Leitura: quatro adoraram, uma achou deprimente e outra considerou chato - esta, com piada, dizia que era como o mordomo, sem paciência para metáforas. Escusado será dizer que adorei este primeiro livro que li de Afonso Cruz e fiquei com vontade de ler mais... 

Citações:
"- Parece-me uma grande felicidade que, quando se olhe para o mundo, pareça sempre que é a primeira vez que o fazemos."

"As esquinas são propícias às cervejarias, pois parece que chamam clientes de um lado e do outro, fregueses perpendiculares que se cruzam a meio de uma cerveja." 

"- Somos mesmo esquisitos: a escuridão cega-nos e a luz também. Os olhos fechados deixam-nos sozinhos. Os olhos abertos mandam-nos para a prisão." 

"Só sobrevivemos numa corda muito fina estendida sobre um abismo. Todo o ser vivo é um equilibrista. Todo o ser vivo é um mau equilibrista. Acabará sempre por cair." 


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A próxima sessão do Clube de Leitura terá lugar a 12 de julho, com o livro "Dom Casmurro", de Machado de Assis.  Como já li, vou tentar ler "Memórias Póstumas de Brás Cubas" do mesmo autor.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O PEIXE DO AMOR

May-Alice Culhane (Mary McDonnell) era uma atriz de telenovela até ser atropelada por um carro e ficar paraplégica. Depois do acidente e do respetivo tratamento em clínicas especializadas, decide regressar à sua terra natal e à casa da sua infância, em Lousianna. Os pais já morreram, de modo que a casa está praticamente votada ao abandono e não possui as acessibilidades adequadas a uma pessoa nas suas condições. Amargurada e com um feitio nada fácil, as enfermeiras que contrata não aguentam muito tempo no seu posto. Até que surge Chantelle (Angela Bassett), que parece empenhada em manter o emprego.

A relação ente ambas nem sempre é fácil, mas a vida também nem sempre é...  


O filme realizado por John Sayles em 1992 obtém 7.1/10 na IMDb e deu esta semana no AXN. Mais não seja, um bom momento televisivo, com excelentes insterpretações das atrizes e de David Strathaim, num papel secundário. O que quando só apetece recostar no sofá, sabe lindamente. E não, desta vez não é preguiça, apenas uma monumental constipação e/ou alergia, que dá cabo da energia... 

Imagem de cena do filme da net.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

QUANDO TOCA A MÚSICA...


... não faltam cartoons humorísticos no facebook. De Charles Schulz,

Quino,

autores mais ou menos desconhecidos (quer dizer, assinatura não identificável),

outro de Quino e...


ainda outro que também se adivinha da sua lavra, embora não assinado. Que versa a falta de inspiração e fornece uma solução...não muito viável! 

terça-feira, 7 de maio de 2013

SEIS SUSPEITOS

Não li o livro que tornou famoso o diplomata indiano Vikas Swarup - através do cinema, no mínimo - este segundo foi-me oferecido recentemente. Por quem sabe que adoro policiais...

Vicky Rai mata uma jovem empregada de restaurante, Ruby Gill, porque esta se recusa a servir-lhe uma bebida depois do bar fechar. Um caso que seria linear, se Vicky não fosse filho de um poderoso e corrupto político indiano, que exerce grande influência sobre a polícia e outros setores da sociedade, nomeadamente no submundo. Assim, Vicky prossegue a sua vida de playboy e de empresário, enquanto aguarda o julgamento em liberdade. Sete anos depois é absolvido do crime, o que indigna a população. Com a arrogância de alguém que se considera acima de todas as leis, resolve comemorar o facto com toda a pompa e circunstância. E nessa noite de festa é assassinado a tiro.

Por quem? Os suspeitos são seis pessoas que prejudicou direta ou indiretamente e que carregavam armas de fogo assim que a polícia tomou conta do ocorrido. Ente eles, perfilam-se o seu próprio pai, uma famosa atriz de Bollywood, o "turista" americano apaixonado por ela, um indígena em demanda pela pedra-amuleto da sua tribo, um ladrão de telemóveis ambicioso e um ex-burocrata reformado e corrupto, que acredita ser a reencarnação de Ghandi.

486 páginas estruturadas em capítulos que dividem o crime praticado por Vicky e relatado por um jornalista, a vivência de cada um dos suspeitos e a razão porque o odiavam - serão motivo de homicídio? - o dia da festa que terminou com a morte do assassino e a conclusão. Sem dificuldades de maior para entender, se o enredo não decorresse na Índia e numa sociedade culturalmente tão diferente da nossa ocidental... Assim, a leitura sai um pouco prejudicada por demasiadas notas de rodapé a explicar este ou aquele termo intraduzível e as deambulações por várias províncias indianas também não ajudam muito (e talvez um pouco desnecessárias para o enredo).

A caracterização das personagens é minuciosa, o modo como todas aquelas vidas se cruzam bem engendrado e em algumas cenas está patente um requintado sentido de humor, de modo que acaba por ser um bom romance policial. Mas que não é muito fácil de ler, não é mesmo! Por outro lado, tem a vantagem de dar a conhecer a vivência naquelas paragens, numa sociedade democrática onde se multiplicam religiões, etnias e línguas, mas ainda muito subordinada ao sistema de castas e a tradições milenares, onde a desigualdade, a injustiça e a corrupção continuam a imperar. Isto para quem gosta de "viajar" confortavelmente repimpado no seu sofá...

Citações:
"Sempre disse que a Não-Violência e a Verdade são como os meus dois pulmões. Mas a Não-Violência nunca devia ser usada como um escudo para a cobardia. É uma arma dos corajosos." 

"Uma rapariga de jeans e T-shirt de ar moderno olha-me apreciativamente. Dez minutos antes nem teria reparado em mim. Faz-me perceber até que ponto o hábito faz o monge. E eu sei que não há nada de instrinsecamente diferente nos ricos. Vestem-se simplesmente melhor." 

"- Eketi vai-se casar. Lá na terra os velhos casam-se com todas as raparigas. Não tinha esperança de arranjar mulher se ficasse na ilha. Aqui posso ter uma vida nova. Arranjar mulher." 

"Na maioria das vezes, no entanto, ficavam calados partilhando uma comunhão silenciosa. A amizade deles não precisava de vocabulário. Crescia entre os seus silêncios." 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

ELE E ELA

É verdade, os caracóis voltaram a fazer parte das ementas de cervejarias e tascas, abrindo a época propícia ao petisco. Adivinham-se pois agradáveis momentos em torno dos mesmos, enquanto se aproveitam essas tertúlias para colocar as conversetas em dia.

Contudo, por vezes deparamos com o reverso da medalha, como aconteceu um destes dias. Quatro homens já estavam sentados noutra mesa do pequeno estaminé, adivinhava-se que já tinham bebido uns copos: falavam mais alto do que o necessário! Também não íamos demorar muito, portanto não nos iam incomodar por aí além.

Mas, de facto, a estupidez humana incomoda bastante. Em resposta a um comentário que não ouvi, dizia o mais "entusiasmado" de todos, em voz ainda mais alta: "Essa?! Bastava eu ligar-lhe que ela vinha logo a correr." O outro pareceu incentivá-lo. E ele, com uma risadinha de desprezo: "Não, eu é que não quero!"  Ora que necessidade terá um homem destas gabarolices baratas e em público?

Quando saímos, não resisti a olhar para a cara do fanfarrão, já que anteriormente não a via do local onde estava sentada. E até tive vontade de rir - uma fraca figura, aparentando os seus 40 e tal anos, com um bigode farfalhudo a lembrar tempos revolucionários e ar de labrego q.b, de elegante e sedutor não tinha o mínimo vestígio. Quer dizer, das duas uma: ou o fulano é um aldrabilhas dos antigos ou então há mulheres realmente muito carentes nesta terra. Outra hipótese é que o cervejame lhe tenha inchado o ego e já estivesse a falar só para não ficar calado...

Já praticamente tinha esquecido o episódio, quando ontem deparei com esta publicação no facebook (que, obviamente, não sei se é da autoria de quem a reproduziu) e relembrei a cena:


domingo, 5 de maio de 2013

ESPELHOS MULTIFACETADOS

Se as papoilas do campo são diferentes entre si, se as pedras do caminho também, porque é que as mulheres quando se olham ao espelho parecem ser todas iguais? Não se trata da cor do cabelo ou dos olhos, do nariz mais redondo ou pontiagudo, da pele mais clara ou mais escura ou das expressões e rugas do rosto, mas da sensação que têm de  si próprias.

O vídeo, que a Tons de Azul publicou recentemente, impressionou-me muitíssimo, daí ser destaque da semana. Publicitário, mas com uma característica comum a (quase) todas as mulheres - o espírito crítico quando se olham ao espelho:  


Não sei porquê, depois de ver o vídeo senti-me mais bonita do que a imagem que vejo em frente ao espelho diariamente. Ou, talvez, menos crítica...

sexta-feira, 3 de maio de 2013

LAGARTO PINTADO...

... quem te pintou?

A lenda é antiga e reza que um devoto adormeceu nesta colina. Nesse momento, ao ser atacado por uma serpente, eis que um lagarto surgiu em seu auxílio, por intercessão de Nossa Senhora da Penha de França. Também existe outra versão, que refere o escultor António Simões - um dos poucos sobreviventes da batalha de Alcácer-Quibir - como o homem que escapou ao ataque da cobra e que foi mentor da construção da Igreja, em 1597. Enfim, lendas são lendas, têm sempre nuances esotéricas e criativas... 

No entanto, ainda há poucos dias a Teresa referia a sua indignação por verificar o vandalismo que paira na cidade, com tags (leia-se, gatafunhos e hieróglifos!) a sujarem muros, paredes, estátuas e monumentos indiscriminadamente - opinião que partilho inteiramente - quando me deparei com este mural, que tem tudo a ver com a lenda e o local. No muro em frente à Igreja, que não visitei, mas que consta exibir igualmente no seu interior uma imagem do lagarto e do homem adormecido. E gostei, porque realmente não tenho nada contra murais e grafittis, só contra os ditos gatafunhos.

Fica a pergunta, em tom de desafio: sabem quem pintou o lagarto?


ADENDA a 4 de maio de 2013: o "Lagarto da Penha" foi realmente pintado por Leonor Brilha - que aparece na imagem a dar uns últimos retoques - tal como o Rui da Bica e o Vintense depressa descobriram.  Ambos deram links e o Rui da Bica ainda enviou esta foto por mail (suponho que da net), onde se pode visualizar melhor a artista na execução do seu trabalho:

Contudo, a resposta está "escarrapachada" no próprio muro, como podem verificar noutra fotografia que tirei na altura (e não me venham dizer que anteriormente tinha uns lindos tons de cinzento...) :

Parabéns à artista - cujo site podem ver aqui - que o prémio foi mais que merecido! E, mais uma vez, obrigada a todos pela participação!

DIVIRTAM-SE!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

NOME DE CÓDIGO: PAULETTE

Paulette (Bernardette Lafont) é uma mulher amargurada com a vida:  o marido Francis bebeu até morrer, depois de terem perdido a pastelaria de que eram proprietários e que agora é um concorrido restaurante chinês; a filha casou com um preto e, como é racista, tenta afastar-se de ambos e do seu neto de 7 anos, Léo (Ismael Dramé), que igualmente não tem paciência para aturar - embora por vezes a filha não tenha mais ninguém a quem o deixar; vive num bairro social pobre e deteriorado, onde diariamente encontra jovens traficantes de haxixe a cada porta ou esquina; e como a sua pensão é insuficiente para sobreviver, recorre aos caixotes do lixo da praça local para se alimentar.

Bom, se todas estas desventuras parecem o início de um filme dramático, desenganem-se - trata-se de uma comédia, se bem que em parte seja comovente! Claro que não vou contar o final, mas as linhas que se seguem podem desvendar parte do enredo, pelo que se quiserem ver o filme, não leiam o parágrafo seguinte!

O seu genro Ousmane (Jean-Baptiste Anoumon) é agente da polícia e tenta fazer tudo para lhe agradar. Ele e outro colega vão entrevistá-la sobre a traficância de droga no prédio - não é que os putos lhes interessem muito, querem encontrar aquele que eles creem ser o chefe, Vito (Paco Boublart). Aí, a empreendedora velhota, que uns dias depois vê todos os seus bens penhorados por falta de pagamento das contas da eletricidade, telefone e por aí adiante, resolve candidatar-se ao lugar de traficante de haxixe junto a Vito, que ela rapidamente descobre quem é. Se de princípio a sua iniciativa tem alguns revezes, a partir do momento em que ela resolve aplicar as suas artes de pasteleira à venda do produto, o negócio decorre de vento em popa. Ninguém desconfia dela e ainda usufrui da proteção do genro, sempre disposto a agradar-lhe. A sua relação com o neto torna-se mais próxima e carinhosa, mas entretanto as suas amigas das tardes de bisca começam a notar a sua ausência e, quando lhe aparecem inesperadamente em casa, propõe-lhes uma participação na negociata. 

MUITO BOM! Mesmo que a IMDb atribua apenas 6.3/10 a este filme realizado por Jérôme Enrico. Francês e de comédia (ternurenta), esperavam o quê?



Imagem de cena do filme, da net

quarta-feira, 1 de maio de 2013

VIVÓ DESCANSO!

Por hoje... é só!


Imagem do facebook, segundo a banda desenhada "Peanuts", de Charles Schulz.