Fotografia de Ian Britton
“Parabéns,
é um menino!” – disse o médico sorridente aos pais da
Lurdinhas, que a tinham levado de urgência ao hospital, aflitos, por
acreditarem que a filha de 16 anos estava com uma apendicite. A
mulher cambaleou e agarrou-se ao braço do marido, enquanto o ouviu
pronunciar, quase num sussurro: “Desculpe, senhor doutor, mas está enganado, a nossa
filha chama-se Maria de Lurdes...” O médico acenou com a cabeça e
atalhou: “Sim! E acabou de ter um rapaz, ainda estão ambos no
recobro da sala de partos, mas está tudo bem!” Fez uma pausa e
acrescentou: “Daqui a um bocadinho já os chamam para os verem, durante uns breves minutinhos, quando forem transferidos para
o quarto e berçário!” Como o casal não retorquiu, deu
meia volta e afastou-se, que tinha outros partos a efetuar.
Noites de lua cheia, já se sabia que eram assim!
Sentaram-se
novamente nas desconfortáveis cadeiras da sala de espera,
desorientados, sem coragem sequer para verbalizar os pensamentos que os atingiam à velocidade de um raio.
Como é que iam ser agora as suas vidas, num meio tão pequeno, onde
toda a gente conhecia a vida de toda a gente, quando a notícia se
espalhasse? Na cidade provinciana onde viviam existia uma casta de
banidos, com quem ninguém falava, a não ser num eventual atendimento clientelar - mulheres divorciadas, as que
trabalhavam no bar noturno, bêbados e mais uns quantos a quem ninguém passava cartão.
Definitivamente, Lurdinhas ia entrar diretamente para este grupo e
eles com ela. Uma rapariga adolescente e solteira, a ter um filho? Não havia
memória de tal ter acontecido entre aqueles com quem conviviam. Dez anos após a
revolução de abril e a mentalidade das pessoas da terra pouco ou
nada tinha evoluído. Nem a deles, para dizer a verdade...
Apenas tiveram oportunidade de acenar à filha da porta do quarto, pois já passava das duas da manhã e as restantes parturientes estavam a dormir. O neto dormitava serenamente nos braços de uma enfermeira, antes desta o deitar e aconchegar no respetivo berço. Embora feliz com o nascimento do filho, Lurdinhas também demorou para adormecer. Sabia que para os pais era uma grande desilusão, como para Luis, quando soubesse. Por isso não tinha dito nada a
ninguém, durante todos aqueles meses, evitando o desgosto e o receio
de propostas de aborto. “Para não estragares a tua vida”,
parecia que os estava a ouvir. Eram todos muito católicos, mas às
vezes faziam 'vista grossa' nessas questões de princípio, quando
lhes tocava por perto. Mas e agora, como iria ser?
A
notícia caíu como uma bomba na cidade, logo no dia
seguinte: não se falava noutra coisa nos cafés, na rua e em cada
esquina, as beatas benziam-se, as más-línguas costumeiras
acrescentavam à história dichotes como “aquela sonsa nunca me
enganou!” ou “quis apanhar o coitado do rapaz, é o que é!”
Nessa mesma tarde, Luis partiu desterrado para casa de uns tios de Braga, por imposição paterna – afinal de contas, também tinha
apenas 16 anos. À exceção dos pais e da madrinha - que veio de
propósito de Lisboa, assim que soube da novidade – mais nenhum dos
amigos de Lurdinhas a visitou no hospital. E foi a madrinha que, mais
friamente, apontou uma solução temporária para o problema. Com as aulas e os exames do 11º ano finalizados, nada impedia Lurdinhas e o bebé de irem passar uma temporada com ela à
capital, pelo menos até os ânimos acalmarem. Ela própria tivera de
abandonar a sua terra natal em tempos idos, pois a alternativa de
ficar acarretava aturar um marido doidivanas, que gastava tudo o que
ganhava com as suas múltiplas aventuras e ainda lhe ia à carteira
ou à conta bancária, quando o dinheiro faltava.
A
família aceitou a oferta, agradecida. Mas a solução temporária
tornou-se definitiva, durante os anos seguintes – Lurdinhas
conseguiu encontrar um emprego em part-time e continuou a estudar em
Lisboa, até acabar o curso universitário. Visitava os pais esporadicamente,
mas estes eram mais assíduos nas viagens à capital, para
reencontrarem a filha, o neto e aquela boa amiga, que tanto os
ajudara.
Lurdinhas criou o rapaz e atualmente trabalha como professora efetiva numa escola lisboeta. Entretanto casou e teve mais duas filhas, vivendo com a família nos arredores da cidade. O filho viajou para Paris, onde realiza um estágio profissional. Este nunca
chegou a conhecer o pai biológico, nem Lurdinhas voltou a encontrar
Luis...
Um conto muito bonito. Gostei.
ResponderEliminarUm abraço e bom Domingo
Há histórias de vida que quanto mais reais são, mais estranhas nos parecem, ELVIRA! :)
EliminarAbraço e boa semana!
Uma história que acabou bem!
ResponderEliminarFelizmente que os tempos agora são outros!
Abraço
Felizmente que estes preconceitos, que estragavam a vida a tanta gente, têm melhorado bastante, ROSA! Mas têm demorado a passar. E toda a gente parecia esquecer-se que uma gravidez não resultava apenas da "vontade" da rapariga ou mulher... :)
EliminarE porque é que não havia de ter um final feliz? Afinal de contas a moça podia ser ingénua, desinformada ou tonta, mas não era uma criminosa... ;)
Abraço!
Parabéns por sua contribuição na Blogagem Coletiva Amor aos Pedaços!
ResponderEliminarQue continuemos juntas com muito amor no coração!
bj Sandra
http://projetandopessoas.blogspot.com.br//
Parabéns também pela tua contribuição, SANDRA, que já li e comentei! E que haja sempre amor nas nossas vidas! :)
EliminarBeijocas!
Enfim, acabou. Com êxito da personagem, que não teve que se arrepender do que poderia ter feito.
ResponderEliminarAcabou, mas como vivemos em círculos e espirais, encantamentos, desencantamentos, esperanças, questionamentos, se integram e reintegram em nosso cotidiano.
Vivemos. E sobrevivemos a tudo.
Obrigado pela participação. E sigamos em Conversas Cartomânticas.
Bem-vindo, EMANUEL! :)
EliminarÉ, há histórias que se repetem, na mesma vida ou na geração seguinte, e vamos aprendendo com quase todas elas a sobreviver! :D
De facto há mais casos destes do que julgamos. Independentemente da maior ou menor aceitação social que tenham e da repercussão que estas situações têm na vida das famílias há um detalhe que a mim me perturba. Como é que ninguém se apercebe da gravidez? Lembro-me da surpresa geral que há uns 25 anos atrás tivemos no serviço quando soubemos do caso da sobrinha de um colega que acabava de ter um filho. A rapariga não tinha contado nada a ninguém, nunca tinha ido a uma consulta pré-natal e foi para o hospital "com dores de estômago".
ResponderEliminarUm caso idêntico a esta, LUISA! Mas facto é que as adolescentes nestas idades em que ainda estão a formar o corpo por vezes engordam, e ninguém acha isso muito estranho! Mas olha que conheci uma que escondeu a gravidez até ao fim do próprio marido, que não queria ter mais filhos, e ele também não deu por nada... :))
EliminarA história não acabou tão bem, que eles acabaram por se divorciar! ;)
É uma história triste, que soubeste contar muito bem e dar a graça de um final feliz... =)
ResponderEliminarÉ a história de uma sociedade ainda bastante preconceituosa e que, felizmente, tem vindo a melhorar aos poucos, BRISEIS! E também de uma certa cultura de desinformação dos adolescentes em questões que então eram tabu, como o sexo! :)
EliminarMas estas histórias ainda acontecem... ;)
Gostei do conto,nessa vida nem tudo é como esperamos mas devemos saber dar a volta por cima,assim como a personagem.
ResponderEliminarUma ótima semana,abraço,=)
Bem-vinda, SUELEN!
EliminarAcabamos sempre por dar a volta, especialmente quando temos 16 anos e uma vida inteira pela frente! Desde que haja pensamento positivo, evidentemente, e se não nos deixarmos abater pelos tropeções de caminho... :)
Abraço e boa semana para ti!
Olá, Tetê!
ResponderEliminarApesar da modernidade, ainda continua existindo muito preconceito, e exclusão social, para casos semelhantes. Lurdinhas soube aproveitar o auxílio que lhe deram, e direcionou sua vida de forma especial, de modo que se reintegrou e foi feliz.
Uma bela história.
Grande abraço
Socorro Melo
Claro que o preconceito ainda continua a existir, SOCORRO! Mas, felizmente, já há uma abertura maior para estes percalços da vida, sem obrigar as pessoas a casar ou ir para um convento, como noutros tempos... :))
EliminarAbraço e sê bem-vinda! :D
Um amor colocado à prova e assim dedicado não desfez laços. Nas entrelinhas percebo que não deve ter sido fácil a tragetória de vida dessa menina, tão prematuramente cheia de responsabilidades. A maternidade é um grande exemplo de reintegração - A soma de todos os amores e desamores.
ResponderEliminarObrigada por participar da coletiva!!
Beijus,
As responsabilidades foram prematuras, sim, LUMA, mas aos 16 anos e com uma vida toda pela frente, só poderia dar a volta por cima! E sair daquele meio tão acanhado, que provavelmente só a arrastaria para baixo... :)
EliminarFoi com todo o prazer que participei mais uma vez! Obrigada a todas vós pela iniciativa! :D
Beijocas!
Olá Teté,
ResponderEliminartudo na vida é aprendizagem. Essa menina soube dar a volta por cima e superar obstaculos.
O que é preciso é nunca desistir. O amor ajuda a encontrar forças onde menos se espera.
Lindo conto. Grata pela convivência durante os 5 meses de blogagem. E quem sabe não serão 6 meses... no dia 15 AGO passe nos blogs da organização. Em principio teremos uma surpresinha.
E se prepare para 2013!
Beijinhos.
Rute
É verdade, muitas vezes é com os erros que aprendemos mais, RUTE! :)
EliminarOK, lá passarei! :D
Beijocas!
muito bom ela ter escondido a barriga durante 9 meses. devia ter optado por uma carreira política ;P sim, estas estórias são muito frequentes, demasiado frequentes. resta esperar que quem tem a língua comprida acabará por mordê-la. de resto, coro é bom para a Ópera e devemos a vozearia dos "outros" como aquilo que verdadeiramente é: ruído de fundo.
ResponderEliminarÉ, são demasiado frequentes para a informação que a maioria dos jovens tem hoje ao seu alcance, MOYLITO! Quem tem língua comprida, acabará por mordê-la, mesmo! Mas convenhamos que há ruídos de fundo muito aborrecidos... ;)
EliminarSuperar com o tempo, reintegrar a sua vida...Não é fácil quando uma jovem passa por isso,mas o melhor de tudo é o apoio da família...O empo passa e tudo é esquecido.
ResponderEliminarPaz e bem
Sim, sem apoio da família é sempre mais complicado, ainda mais na adolescência, BEL! Quanto ao resto, é isso mesmo, o tempo vai atenuando tudo... e ainda bem! :)
EliminarPaz e bem para ti também!
Olá, Teté
ResponderEliminar"UMA GOTA DE ORVALHO NA BORDA DO CÂNTARO"
Extremamente cansada mas reintegrada... cheguei hoje da Missão...
Sou-lhe grata e a Deus por ter dado tudo certo.
Obrigada por termos chegado o fim da BCAP.
AMAR O OUTRO É RENUNCIAR POSSUÍ-LO, MESMO MORTO".
Abraços fraternos de paz
Nada a obrigadar, ORVALHO, participei com todo o gosto! :)
ResponderEliminarFica também em paz!
Abraço!