terça-feira, 28 de outubro de 2008

A SOMA DOS DIAS

Desconhecendo as obras de ficção de Isabel Allende, "A Soma dos Dias" (2007) surge na sequência de "Paula", onde em 1995 iniciou a sua autobiografia, recordando factos da sua infância e juventude, a par da história de antepassados e do próprio Chile, enquanto acompanhava de perto a doença e morte da filha.

Apesar das suas fortes convicções políticas de esquerda e feministas, a escritora aparece-nos como uma mulher dividida entre dois mundos: se por um lado crê em Deus e nas tradições familiares rígidas do país onde cresceu, por outro as suas relações de amizade estendem-se a representantes de outros cultos religiosos, em busca de todo o misticismo ao seu alcance; na luta pelo amor e pelos seus, não deixa de recorrer a todas as superstições possíveis e imaginárias, da astrologia ao lançamento de búzios, do espiritismo a experiências com beberagens alucinógenas numa tribo de índios; quando ergue uma fundação para ajudar os mais carenciados, com parte do fruto do seu trabalho, imaginamos que não seja particularmente mundana ou fútil, mas essa é uma presunção errada - sente imenso a falta de um espelho ao viajar para locais inóspitos, a cirurgia plástica é-lhe imprescindível para esconder as rugas, "barrigas de aluguer" parecem-lhe normalíssimas e não dispensa umas milhentas terapias, para ela e para os seus.

Parte dessa dualidade de mulher temperamental, apaixonada e lutadora, notória no decorrer das 358 páginas do livro, é explicável pela vivência em dois continentes culturalmente diferenciados, quando após 45 anos de América do Sul casa com um norte-americano e passa a residir na Califórnia, enfrentando problemas reais inimagináveis no círculo de familiares e amigos, mas permanecendo atenta também às suas raízes políticas.

GOSTEI!

Seguem algumas citações:

"No princípio da minha relação com Willie perguntei-lhe se íamos ter um 'amor aberto' - eufemismo para infidelidade - ou monógamo. Precisava de o saber, porque não tenho tempo nem vocação para espiar um amante volúvel. «Monógamo. Já experimentei a outra forma e é um desastre», respondeu-me sem hesitar."

"Ela suportava pacientemente a necessidade patológica de domínio daquele homem, as suas manias de solteirão [...] tinha de aceitar as regras de convívio: silêncio, reverências, tirar os sapatos, não tocar em nada nas águas-furtadas, não cozinhar, porque ele se sentia incomodado com os cheiros, não telefonar e muito menos convidar alguém, o que seria uma falta de respeito mortal. Tinha de andar em bicos de pés. A única vantavem que oferecia o bom homem eram as suas ausências. [...] Quando lhe disse adeus, ele replicou-lhe que não aparecesse em nenhum dos lugares onde haviam estado juntos."

"«Depois dos cinquenta, a vaidade só serve para sofrer», assegura-me essa mulher com fama de bela. Mas a fealdade da velhice assusta-me, e tenciono combatê-la enquanto me restar saúde. Foi por isso que estiquei a cara com cirurgia plástica, uma vez que ainda não descobriram maneira de rejuvenescer as células com um xarope."

"Tranformaram-se em refugiados no seu próprio país [os habitantes pobres de Nova Orleães, após o furacão], abandonados à sua sorte, enquanto o resto da nação, estupefacta perante as cenas que pareciam tão remotas como uma monção no Bangladesh, perguntava a si mesma se a indiferença do governo teria sido igual se a maior parte dos lesados fosse branca."

17 comentários:

  1. Maravilhoso, já me apetece ir a correr buscar o livro!... Já li um livro dos dela, já nem me lembra o titulo agora, mas esse deve ser bonito, ah, a cirurgia plástica, quem ma dera agora para eliminar as papadas todas do corpo, menos as de cima! essas podem ficar ehhhhhhh...
    Um beijinho e ainda vou ver se alguma amiga o tem, elas emprestam e adoro ler!...

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  2. Fui muito leitora da Isabel Allende há uns anos. Depois abandonei, não por nada, sempre há tanta coisa para ler. Mas vou ver se encontro um oco para ela então de novo.

    Deixei-te um recadito lá no tasco do Condado, (`_^)

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  3. a primeira citação é, sem duvida, fantastica!
    mais franqueza era impossível!

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  4. Como calcularás, Teté, prefiro "westerns"...

    ;)

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  5. Gosto imenso desta escritora, faz-nos imaginar o que ela escreve.....tentamos pôr-nos nesses locais, nessas situações.....

    Mais um que ficará a espera de tempo para ser lido....

    Beijokitas

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  6. Sempre tive vontade de ler Paula.
    A luta não deve ter sido fácil :)
    ler é sempre bom...
    Ficas aí com tua cia que agora me foi servido um chá pros atchins de novo.
    beijinho

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  7. Estou a ler, finalmente, eheheheh, "Inês da Minha Alma" e estou a gostar muito!

    Vou voltar atrás uns quantos post aqui editados, pois tens sempre sugestões aliciantes.

    Xi coração grande

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  8. Ela tem prái uma dúzia de livros, LAURA, que escreve desde o início dos anos 80. Quanto à cirurgia plástica para tirar rugas, acho de uma futilidade enorme, qué que queres?
    Jinhos, nina!

    Pois, SUN, agora vou ver se leio um de ficção dela, para ficar com uma ideia mais clara... (`_^)
    OK, já lá passo! Beijoca!

    Sim, concordo que mais franqueza era impossível, VÍCIO! :)))

    Bem me parecia que eras adepto de uma boa coboiada, REI!!! :D

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  9. Bom, tenho de ler alguma obra de ficção dela, para ter mais ideia sobre a sua escrita, PARISIENSE. E por acaso tenho aí um na prateleira dos livros para ler, que já me disseram que é dos melhores dela (Filha da Fortuna). ;)
    Jinhos, nina!

    É um livro dramático, como não poderia deixar de ser, MYLLANA! Mas, mesmo assim, apesar de nos apercebermos do susto permanente em que a mulher-mãe vive, não cai na lamechice, vai relatando as suas memórias à filha (em coma) como se lhe estivesse a contar uma história. É comovente na narração do presente, mas também tem cenas mais alegres, históricas, documentais em relação ao passado. Pessoalmente, gostei muito!
    Jinhos e as melhoras, nina!

    Pelo que li nestes dois, INÊS, a escrita dela parece-me de fácil leitura e entendimento. O que é útil para uma escritora que não tenha pretensões a bastião da intelectualidade... :)))
    Depois diz se gostaste!
    Beijoca!

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  10. Ó tété, relativamente ao meu casório virtual, o meu na me aquece os pés, ficam geladinhos toda a noite, sorte a minha ter meias quentinhas senão!...

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  11. E meias quentinhas não é bom, LAURINHA? Mais do que virtuais, certamente... :)

    Beijocas!

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  12. Também já li muito nde isabel allende, mas depois comecei a achá-la muito feminista... :)

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  13. Eu li o Paula, que é uma coisa!!! Muito triste, mas muito interessante toda a envolvência do romance, como ela conta à filha o que quer que o leitor leia.

    Este não conheço, mas também me pareceu bem.
    Beijinhos

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  14. Ah, sim, VAN, é melhor não começarmos uma discussão dessas, que desconfio que não temos opiniões semelhantes... :)))
    E, em abono da verdade, costumo-me passar um bocado quando oiço mulheres dizerem que são anti-feministas! Xiu! Já cá não está quem falou!!! ;)

    Pois, SAFIRITA, este é a sequência onde ela conta o que aconteceu a todos os familiares e amigos, após a morte da filha e durante cerca de uma década.
    Mas a certa altura ficas com a ideia (ou, pelo menos, eu fiquei) que a mulher é um bocado tonta, à conta de tantas crendices...
    Mas lê-se muito bem! :)
    Jinhos!

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  15. LOOOOOOL, mas eu não sou anti-feminista, nem feminista loool, simplesmente não me identifiquei com a escrita dela. Por exemplo, não apreciei muito o Zorro, achei pateta :(. Mas, gostei da casa dos espiritos. ;-)
    Nao sei explicar muito bem (não sou critica literaria como tu loool), mas em certos trechos achava aquilo tudo muito pateta, às vezes embirrava com uma ou outra personagem por a achar fútil, e aborrecia-me.
    Compreendo que na vivencia dela tenha sido necessario um certo "feminismo" para se libertar e emancipar, daí que isso esteja presente nos livros dela. Mas como é uma vivencia que não imagino de todo, vejo o mundo e o amor de uma forma muito diferente da que ela relata, de modo que entrei em choque loool. Mas não sou anti feminista pah! nem sequer sei ser feminista, quanto mais anti! LOOOL! sou só uma gaja que mete o jove a aspirar a casa!! ;-)

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  16. Gostei das citações!!! Acho que nunca li nada dela... mas o teu post abriu-me o apetite.

    Vou experimentar!
    bsj

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  17. Bom, VAN, não li o Zorro, mas foi livro "encomendado".
    Quanto ao feminismo e anti-feminismo, sei lá, um dia destes ainda calha essa discussão... :)))
    Ó faxavor, não me chames de crítica literária, que senão ainda me babo!!! :D
    Beijocas!

    A escritora tem uma escrita muito simples, com a facilidade de apontar o dedo ao fulcro da questão, LEONOR!
    Contudo, nas suas linhas também perpassa uma certa futilidade, não gostei muito de tantas crendices...
    Jinhos!

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Sorri! Estás a ser filmad@ e lid@ atentamente... :)