Dia 1
Chegámos entusiasmados! Instalaram-nos num hotel de estudantes, cujo gerente é muito antipático, o que lhe valeu logo a alcunha de
"boca de sapo". Houve trocas e baldrocas com os quartos - individuais, o que é uma grande chatice!
À noite estávamos na conversa no meu quarto e batem à porta. Dissemos
"entre!" e surgiu um negro enorme, com aspecto de ter acabado de sair do duche (as casas de banho são no corredor), ainda envolto num roupão turco e com uma toalha na cabeça, a reclamar que não conseguia estudar com a nossa barulheira. Com ar de gozo, obviamente, porque como é que se estuda no duche?!
Assustámo-nos um pouco, mas baixámos o tom de voz!
Dia X, Y e Z
A primeira saída, com o professor a acompanhar, não nos convenceu: o grupo era muito grande, em Picadilly parecia um saloio a gritar -
"agarrem-se uns aos outros!" Mas partiu à desgarrada, assim que vislumbrou uma
"Sex Shop" nas redondezas. Muito didáctico...
Um carteirista fanou a carteira da minha irmã no metro, sem ela dar por nada. Lá nos quotizámos para ela não ficar sem dinheiro nenhum!
Decidimos seguir em grupos mais pequenos e percorremos o centro da cidade de lés a lés, a pé, com um mapa na mão! Ao fim do dia estranhámos que as meias brancas estivessem pretas. (de tanta poluição?)
Passeámos ao longo do Tamisa, sentámo-nos nos bancos de Hyde Park, visitámos o Museu da Cera, de História Natural e outros, fomos a um
pub típico e ainda patinámos no gelo. Aqui uma amiga torceu um pé, mas não foi muito grave e felizmente já nos últimos dias. E no Madame Thussauds também houve quem se assustasse com um
Beefeater, que afinal não era de cera...
Dos grandes armazéns londrinos - Marks & Spencer e Selfridge - a Portobello, demos as voltas da praxe e comprámos umas prendinhas para os familiares, consoante os nossos bolsos limitados.
Uma noite resolvemos fazer uma
'dancing party' num dos quartos, carregámos a escassa mobília para outro e toca a dançar! O
"boca de sapo" não gostou, fartou-se de vociferar contra os portugueses e chamou a polícia. Não era caso para tanto, que esta não encontrou nada de anormal a assinalar!
Mas numa seguinte fomos a uma
bôite a sério (hoje chamam-se discotecas), éramos novamente muitos e fizemos o gosto ao pé. Tanto na dança, como no regresso ao hotel, coisa aí para duas horas de caminho...
Ah, o estudante negro e matulão ainda nos convidou para uma festa no quarto dele, mas declinámos, por já termos este programa!
Dia 10 de Abril de 1977
Comemos mal durante todos estes dias - uns hamburguers, salsichas e ovos estrelados nuns
Wimpys e afins, para além dumas latas e coisas que trouxemos de casa, a acompanhar as fatias de pão do pequeno almoço do hotel, de que nos servíamos à fartazana. Mas o mesquinho do
"boca de sapo" deu ordens no
self-service para que limitassem as fatias de pão que podíamos tirar (só duas), o que coincidiu com o Domingo de Páscoa, em que esteve tudo fechado na cidade! Uma amiga mais esfomeada saiu à rua em busca de comida, mas voltou duas horas depois completamente desiludida. Estivemos reunidos na sala da TV/convívio, onde só passaram filmes sobre a vida de Jesus (mais actuais dos que os passam nas nossas, mas isso é mero pormenor), para entreter a fome ficámos até às tantas da matina a ouvir e a contar anedotas.
Regresso a casa
Alguns saíram para umas últimas compras, soubemos que quatro deles foram presos pela polícia num grande armazém, por gamarem anéis de pechisbeque, caixas de fósforos e um guarda-chuva! (voltaram uns dias depois com um carimbo no passaporte, com uma inscrição de
"personna non grata"!) Não sei se pelo nervosismo causado pela notícia, a viagem de regresso a casa decorreu muito mal: o vôo, numa companhia dinamarquesa (será que ainda existe?) foi turbulento e várias alunas se sentiram mal, mas alguns patetas de serviço encarregaram-se de pular no meio do avião, apesar dos apelos das hospedeiras para se aquietarem. Resultado: três meninas desmaiaram e foram as primeiras a sair do avião assim que aterrou, em braços. Quando pus os pés em terra ainda julguei que era mentira!
Apesar de tudo, Londres continua a ser uma "Cidade da Minha Vida", daquelas em que sempre fui muito feliz, como diria o
Malato! Não foi a primeira nem a única vez que visitei, embora esta seja a mais memorável. Também não sei se serve como resposta ao desafio lançado pelo
Carlos Barbosa de Oliveira, nas suas "Crónicas do Rochedo", mas que me deu muito gozo relembrar, lá disso não restam dúvidas...