Pelo tempo que levei a ler este romance de Pepetela, com apenas 301 páginas, poder-se-ia pensar que considerei o livro desinteressante: antes pelo contrário, achei um dos melhores do autor. Às vezes o problema não está no livro, mas no leitor... Aliás, suponho que se não tivesse o interesse que tem, tinha sido recambiado para a prateleira!
Um dos motivos porque a história nos prende até ao final é ela passar-se em Angola nos dias de hoje. Aí, ainda que de passagem, vamos verificando a vivência de uma sociedade onde coabitam os maiores contrastes, aqui e ali sublinhados com o humor de Pepetela.
"Heitor é nome de herói. Os nomes são importantes. Os heróis às vezes também." Assim começa o livro, que nos fala de um homem tímido e dos seus desaires amorosos, que por sinal se chama Heitor, mas sem nenhuma particularidade heróica. Quando julga ter encontrado a mulher da sua vida, ela troca-o por outro namorado, e ele larga tudo para se enfiar num casebre no meio do mato, cheio de auto-comiseração. E escreve uma novela de amor. Apesar de nem ter telefone, um dia um velho amigo aparece e promete ler o livro. Lucas gosta e passa-o a Antunes, amigo de ambos, que por sua vez gaba a novela a Marisa, a radialista mais na berra do momento. E ela também o quer ler, para isso o autor exige que ela o visite. Ela fica encantada com livro e autor, mas Heitor também não fica imune à beleza estonteante dela. Problema é que ela é mulher casada e fiel ao seu marido deficiente... Aos poucos Heitor vai saindo da redoma onde se encafuou, visitando os pais e amigos, arranja um cão, carro, telefone e até amigos na vizinhança: dona Luzitu, feirante (zungueira), e suas filhas com nomes de flores - Rosa, casada com Anselmo, e Orquídea, uma bela jovem estudante de História. Só Narciso, o filho caçula de dona Luzitu não parece simpatizar com o "herói"...
A escrita de Pepetela é saborosa, bem-humorada e aparentemente humilde: dá ideia que escrever assim até é fácil. Duvidem das aparências!
CITAÇÕES:
"Domingo é dia de missa para os fiéis e de acordar tarde e ir à praia para o resto dos mortais."
"Outro preconceito existente é o de ser possível esconder o mal de amor. Tentativa inútil, ele parece estar escrito na nossa cara, nos olhos de cão abandonado, no verdor incrustado na pele, independentemente da cor original, por mais escura que seja. Nunca viram um negro verde? Então nunca viram um negro sofrendo do mal de amor."
"Acontecia ele seguir um jogo de futebol, enquanto ela passava pelas brasas. Sem ser preciso pedir, Lucrécio baixava o som para não lhe incomodar a sesta. De qualquer modo, dizia ele, os comentários idiotas dos tipos da televisão eram perfeitamente dispensáveis, bastava ver o jogo."
"É sempre a ideia que se tem daquele país, lhe tinha contestado uma vez Lucas, gente simpática e boa comida. Um lugar comum, claro, mas eu tenho pena que agora estejam na maior merda, acrescentou Heitor, obrigados a emigrar para cá e outros sítios. Triste país em que o seu símbolo maior, o poeta Camões, foi enterrado numa vala comum para pobres e sem-abrigo!"
(Obrigada, Paulinha e Fausto!)