"Era o avião mais romântico de todos", assim começa este livro de Ken Follett, que me cravou logo umas ruguinhas na testa - "há aviões românticos?", pensei. Mas mais adiante prossegue: "Uma multidão apinhava-se em seu redor: entusiastas da aviação com os seus binóculos, garotos e simples curiosos. Luther calculou que aquela fosse a nona vez que o Clipper da Pan American amarava em águas de Southampton, mas ainda constituía uma novidade. O avião era tão fascinante, tão encantador, que as pessoas acorriam a vê-lo mesmo no dia em que o seu país acabava de entrar na guerra. Ao lado, na mesma doca, estavam dois paquetes magníficos, de dimensões imponentes, mas os hotéis flutuantes tinham perdido a sua magia: todos olhavam para o céu."
A partir deste momento o escritor vai apresentando as várias personagens que vão fazer a travessia do Atlântico e os motivos que as levam a viajar, a par da tripulação encarregue de as conduzir ao seu destino - Nova Iorque: a aristocrática família Oxenborg, liderada com austeridade pela figura paterna, apoiante do regime de Hitler, que não permite que os filhos adolescentes se oponham à sua vontade; um sedutor ladrão de jóias de meia-tigela; um cientista judeu alemão; um gangster e o agente que o escolta; uma esposa em fuga com o amante; dois empresários do mundo do calçado; e uma famosa atriz americana, entre outras secundárias. O que ficamos a perceber logo desde os primeiros capítulos é que Eddie, o engenheiro de voo, está a ser chantageado por um bando de malfeitores que raptaram a sua mulher, de modo a que este cumpra as suas ordens sem prevaricar. Portanto, em Setembro de 1939, o luxuoso hidroavião decola das águas britânicas rumo à Irlanda, onde faz a primeira escala, e depois...
Como é óbvio, não vou revelar o enredo, mas posso assegurar que ação e suspense não faltam ao longo de 521 páginas alucinantes. Quer dizer, não é daqueles livros que se levam para a cama na esperança que embalem o sono ou substituam um soporífero - impossível: no seu desenrolar encontramos romance e sexo, política e espionagem, aventura e crime, amor e traição, coragem e cobardia, rebeldia e medo, em sucessivas emoções a que qualquer leitor minimamente atento não consegue escapar, como se se tratasse de uma marioneta à qual o autor deliberadamente movimenta os fios!
Gostei muito de "Noite Sobre as Águas" - o primeiro livro que li deste escritor de best-sellers - originalmente publicado em 1992. Tenho a certeza que dava um bom filme de ação hollywoodesco. Já não tenho certeza é se ao fim de ler outros três ou quatro livros de Ken Follett, em enredos igualmente repletos de dinamismo, não se tornará numa leitura cansativa com sabor a déjà vu. O tempo o dirá...
CITAÇÕES:
"Diana achou curioso que, sempre que um marido perdia a cabeça com uma rapariga bonita, a mulher ficasse com ódio à rapariga e nunca ao marido. Não que ela estivesse minimamente interessada em algum daqueles maridos pretensiosos e encharcados em uísque."
"- Já conheci alguns fascistas. [...] Mas no fundo estão apavorados. É por isso que gostam de marchar e de usar fardas: fazer parte de um grupo fá-los sentirem-se seguros. É por isso que não gostam de democracias: são demasiado imprevisíveis. Sentem-se mais felizes numa ditadura, porque sabem de antemão o que vai acontecer e que o governo não pode ser derrubado assim sem mais nem menos."
"O heroísmo existia apenas na sua imaginação. O seu sonho de transportar mensagens, montada numa motocicleta, para a frente de batalha, não passava de uma fantasia; ao primeiro tiro que ouvisse, correria a esconder-se atrás de algum arbusto. Perante um perigo real, tornava-se absolutamente inútil."
post-scriptum - segundo nota do autor, o voo, os passageiros e a tripulação são todos fictícios, mas o avião existiu mesmo, embora hoje já não exista um único exemplar deste modelo no mundo.
.