Jack Gil Mascarenhas Deane, "filho de mãe portuguesa e pai inglês", regressa a Lisboa para o casamento do seu neto Paul, aos 85 anos de idade e 50 depois de ter partido. Encontra-a muito diferente da que conheceu durante a II Guerra Mundial - em 1941, enquanto Londres era bombardeada e os exércitos de Hitler avançavam pela Europa, a aparentemente calma capital portuguesa acolhia a elite europeia nos seus hotéis de luxo e milhares de refugiados de todas as nacionalidades e condições económicas atravessavam as nossas fronteiras. Apesar desse súbito acréscimo de população, os cidadãos e as autoridades não pareciam notar actividades estranhas ao habitual. O então jovem Jack Gil dirige o escritório lisboeta da companhia de navegação de seu pai e é noivo de Carminho, uma menina de saúde frágil e de "boas famílias", mas sente alguns remorsos por não se ter alistado na Royal Navy, como o pai desejava: "Morrer não era ideia que me agradasse, mesmo que fosse pela pátria. Só que, agora que a guerra estava no auge, consumia-me um sentimento de culpa."
Através do seu amigo Michael vai tendo alguma noção que o ambiente pacífico reinante é aparente e que nos "bastidores" se movimentam espiões ingleses e alemães, que a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, antecessora da PIDE) vigia, sem intromissões de maior. Até que, numa noite ciclónica, após um jantar na embaixada inglesa, Mary, a esposa de um coronel, lhe pede boleia para casa...
É este o ponto de partida deste romance de Domingos Amaral, que ao longo de 465 páginas nos envolve nas teias de espionagem desses tempos no nosso país, tecidas pelas memórias do velho protagonista, aliadas à recordação das mulheres que amou ou pensou amar!
Note-se ainda que o romance é ficcional, embora algumas personagens sejam reais. Não é género que me cative muito, mas... ADOREI!
CITAÇÕES:
"Deitado na cama do Hotel da Lapa, insone, estremeço só de recordar aquela noite. Lembro-me de cada gemido, e parece que sinto nas minhas mãos aqueles corpos, como se estivessem aqui ao meu lado. O que era aquela loucura? Teria sido da bebida ou era a época que nos deixava naquele estado, temendo tanto o futuro que nos entregávamos ao sexo com um fantástico e saboroso desespero?"
"[...] O embaixador Campbell costumava dizer que os portugueses são um povo estranho, para quem um permanente estado de frustração é uma espécie de segunda natureza. E são demasiado vulneráveis ao elogio, talvez fruto de um certo complexo de inferioridade que nunca venceram."
"A guerra, para mim, foi quase sempre assim. Mulheres que eu amava, mulheres que eu desejava, mulheres com quem vivia muito e muito fortemente, e que um dia partiam para o mar. Mary, Alice, Anika, bocados inteiros do meu coração que se foram, deixando-me mais só e mais triste naquela Lisboa que eu tanto amava."