Mais uma sessão do Clube de Leitura que, embora com pouco quórum, obteve unanimidade: o romance de Carlos Campaniço, finalista do prémio Leya 2013, foi do agrado de todas.
O Portugal rural do início do século XIX, as invasões francesas e o reinado miguelista servem de pano de fundo ao enredo, enquanto descobrimos a infeliz infância de Santiago Bento. Órfão de pai, a vida do rapaz e da mãe torna-se num inferno, quando esta é obrigada a casar com um feitor beberrão e violento, pelo juiz e presidente da câmara Albano Chagas e sua mulher, que simultaneamente são donos de todas aquelas terras. Mas como a vida dá muita volta, o pequeno acaba por ser recolhido por um médico, que o encontra abandonado nas ruas de Lisboa e, apegando-se ao jovem, financia-lhe os estudos de medicina. Santiago recebe assim o apelido Barcelos, mas ao apoiar D. Pedro acaba por aceitar o cargo de médico na sua terra natal, no intuito de despistar os miguelistas que o perseguem. Contudo, pretende também vingar-se de todos aqueles que o fizeram sofrer, separando-o da mãe que tanto amava e não viu morrer. Mas, para seu espanto, ninguém reconhece no jovem médico o infeliz menino de outrora...
191 páginas que nos transportam para um período negro desse Portugal de outras eras, onde a fome, a miséria e a injustiça estavam reservadas para os mais desfavorecidos - só as epidemias não olhavam a classes sociais para atacar. Curiosamente, um pano de fundo que não é muito habitual em romances, mas em "Mal Nascer" quase sentimos a dura realidade daquele povo, quando já se adivinhava pela frente uma sangrenta guerra civil.
Citações:
"Em Lisboa, nunca senti com afecto uma rua que fosse; nunca descansei, num jardim, uma hora à tardinha, sentado com o ócio dos que amam a terra onde põem os pés; nunca disse, minha terra; nem lhe chamei minha casa; e tampouco bebi o sal de uma lágrima na hora da despedida."
"Morreu muita gente desde que abalei da terra, muitos morrem novos, embora se façam mais criaturas do que aquelas que fenecem, pois que, da mesma maneira, não se sabe por aqui como parar a vida de umas e a ida de outras. Feitas as contas, ainda assim, está-se vendo a vila a alargar de gente."
"Se eu fosse Deus só morria gente má, Vitórios e Albanos Chagas, e outros assim. Mas ele não, com a desculpa que quer os bons a seu lado, está esta terra cheia de diabos e encurta a vida dos que não mereciam morrer."
A próxima sessão do Clube de Leitura foi agendada para Setembro, com o livro de Isabel Allende "O Jogo de Ripper".