"Tinha um trabalho de título pomposo, salário modesto, apropriações ilícitas e horário elástico: director de Informação da Rádio Pan-Americana. Consistia em recortar as notícias interessantes que apareciam nos jornais e maquilhá-las um pouco para que fossem lidas nos noticiários", revela "Marito", o jovem estudante de Direito a viver com os avós. Que outro não é que o escritor Mario Vargas Llosa, nesta obra autobiográfica, onde em jeito de romance relata os seus primeiros passos no mundo da escrita e o envolvimento amoroso com a tia Julia, mulher mais velha e recém-divorciada, com quem casaria em meados dos anos 50, contra a vontade de toda a família.
No início da leitura este livro pode parecer confuso: começamos por seguir a história do jovem e os seus primórdios na radio, onde a grande estrela era um tal de Pedro Camacho, um boliviano que escrevia, interpretava e dirigia os folhetins radiofónicos de maior sucesso na época, com o qual está simplesmente fascinado - "Como é que era possível que, à velocidade com que os seus dedinhos caíam sobre as teclas, estivesse nove, dez horas por dia, a inventar as situações, as anedotas, os diálogos de várias histórias diferentes? E, no entanto, era possível: os guiões saiam daquela cabecinha tenaz e daquelas mãos infatigáveis, um a seguir ao outro, à medida adequada, como salsichas de uma máquina."; no capítulo seguinte, somos apresentados a personagens absolutamente diversas; sequencialmente (capítulo sim, capítulo não), surgem aqueles enredos estranhos e rocambolescos, em que os protagonistas são quase todos homens na "flor da idade" (leia-se, 50 anos!), que nutrem um ódio visceral por argentinos... AH!
Depois de "resolvida" essa questão, as novelas reais ou imaginárias seguem o seu rumo, sem interrupção até ao final das 336 páginas. Foi o segundo livro que li deste escritor, gostei bastante do primeiro, este estava na calha (e na prateleira), mas talvez o facto de Vargas Llosa ter ganho o Nobel da Literatura este ano tenha influenciado a vontade de o ler. E uma frase à toa nas páginas do "Expresso" de 20/11/2010 também: "Lá por o Nobel da Literatura ter sido atribuído a um ser humano imundo (Vargas Llosa) não quer dizer que ele não seja um grande escritor", Alberto Manguel, escritor argentino. Não sei que autoridade tem este homem para classificar alguém de "ser humano imundo", muito menos entendo o interesse do semanário em publicar opiniões destas, avulsamente. Apesar de tudo, concordo que um escritor não se mede pelo homem, político ou (não) religioso que é, mas pelo que escreve.
Pessoalmente, fiquei sem dúvidas! O sentido crítico e a ironia patente (até com os seus próprios arroubos juvenis) nestas páginas, confirmam que o galardão foi merecido, como se evidencia nas linhas seguintes:
"[...] encontrei Pascual com o noticiário das nove já pronto. Começava com uma das notícias tão a seu gosto. Tinha-a copiado de 'La Crónica', enriquecendo-a com adjectivos do seu próprio acervo: 'No proceloso mar das Antilhas, afundou-se ontem à noite o cargueiro panamiano Shark, perecendo os seus oito tripulantes, afogados e mastigados pelos tubarões que infestam o referido mar.' Alterei 'mastigados' para 'devorados' e suprimi 'proceloso' e 'referido' antes de o aprovar. Não se aborreceu, porque Pascual nunca se aborrecia, mas deixou assente o seu protesto:
- Este senhor Mario, sempre a lixar-me o estilo."
Pessoalmente, fiquei sem dúvidas! O sentido crítico e a ironia patente (até com os seus próprios arroubos juvenis) nestas páginas, confirmam que o galardão foi merecido, como se evidencia nas linhas seguintes:
"[...] encontrei Pascual com o noticiário das nove já pronto. Começava com uma das notícias tão a seu gosto. Tinha-a copiado de 'La Crónica', enriquecendo-a com adjectivos do seu próprio acervo: 'No proceloso mar das Antilhas, afundou-se ontem à noite o cargueiro panamiano Shark, perecendo os seus oito tripulantes, afogados e mastigados pelos tubarões que infestam o referido mar.' Alterei 'mastigados' para 'devorados' e suprimi 'proceloso' e 'referido' antes de o aprovar. Não se aborreceu, porque Pascual nunca se aborrecia, mas deixou assente o seu protesto:
- Este senhor Mario, sempre a lixar-me o estilo."
Eu compreendo o comentário do argentino, afinal amor com amor se paga!
ResponderEliminarBeijoca!
Gosto muito do Mario Vargas Llosa escritor. Neste momento também estou a ler um romance dele, "Los cuadernos de don Rigoberto", que pertenceu à minha mãe e que estranhamente ainda não tinha lido. A seguir, virá o último: "El sueño del celta".
ResponderEliminarAs ideias liberais do Vargas Llosa, sobretudo em economia, não são muito bem acolhidas em certos meios mais de esquerda, porém, é um demócrata. "Peixe na água", a história ou memórias da sua aventura política, mesmo discutível, é um relato excelente. É para mim, acima de tudo, um escritor de muitíssima altura, até dentro da própria literatura hispano-americana, que não é "pobre" precisamente.
Pois eu ainda não li nenhum...mas lá virá o seu tempo....:)
ResponderEliminarBeijokitas
Ainda não li nada dele, não sei porquê. Está na calha!
ResponderEliminarBjs
Pedalar e ler é uma experiência potencialmente perigosa para qualquer estilo literário.
ResponderEliminarApesar de me parecer bastante interessante não faz de facto o meu género de leituras. De qualquer modo as minhas leituras a nível de livros continuam pelas ruas da amargura. Lembras-te do 3º volume da Millenium? Aquele que começaste a ler depois de mim e já acabaste há meses? Pois continua religiosamente pousado em cima da minha mesinha de cabeceira :s.
ResponderEliminarBeijos. :)
Penso que o comentário do argentino está mal traduzido, porque não acredito que o Alberto Manguel se atrevesse a fazer semelhante ofensa!!!
ResponderEliminarAcabei de ler "Elogio da madrasta", um livro surpreendente cheio de fantasias e sexo.
Quanto à tua história de Natal, não faço ideia nenhuma qual delas seja. A da Licas penso que sei qual é.
Já escolhi as duas primeiras, só me falta a terceira.
Também estou muito satisfeita que o concurso tenha sido um sucesso.
Saudação dum Düsseldorf coberto de neve, e duma amiga com dores de garganta e muita tosse, que infelizmente, desta vez, não tem a mãe do Anton (Manfred) que trate dela!!!
Amor com amor se paga uma ova, RAFEIRITO, que a história do ódio pelos argentinos era fruto de uma mente alucinada... :))
ResponderEliminarBeijocas!
Pois, SUN, também li por aí que ele defende ideias liberais de centro direita, mas isso não o faz um escritor menor. Mas pronto, há fundamentalismos para tudo!
ResponderEliminarTens razão, a literatura hispano americana, ou mesmo a latino americana, está cheia de grandes vultos da literatura e Llosa não lhes fica atrás. Vou ver se leio mais livros dele, obrigada por essas dicas... :)
Então a seu tempo dirás o que pensas do escritor, PARISIENSE! Ou não! :D
ResponderEliminarBeijocas!
Se além de na calha também estiver na prateleira, ainda é mais fácil, TERESA! :D
ResponderEliminarBeijocas!
Tens razão, as duas actividades são assim para o incompatível, PAULOFSKI! Em prol dos ossos do pedalante, claro está! =))
ResponderEliminarVou-te contar um "segredo", PSIMENTO: quando andava na Faculdade só lia policiais ou romances sarrabecos, nada que desse muito que pensar, que para isso já tinha os de estudo... :s
ResponderEliminarDe qualquer forma, adorei a trilogia Millennium, parar a meio corta um bocado o "balanço"... ;)
Beijocas!
Ou talvez fora de contexto, EMATEJOCA, porque saiu numa "breve" no semanário, no meio de uma entrevista, por exemplo, pode ter uma conotação diferente ou não tão ofensiva... ;)
ResponderEliminarEstou como tu: já sei quais as duas primeiras em que votar (uma delas também sei de quem é, mas por acaso, que não conheço @ bloguista), na terceira estou hesitante... Depois da votação publico aqui a minha! :)
As melhoras, amiga!
Tenho este livro em casa e tenho também curiosidade neste autor. Agora mais por ter ganho o Nobel, mas por enquanto ainda continuará na prateleira.
ResponderEliminarEntão quando leres dá a tua opinião, TONS DE AZUL que fico curiosa... :)
ResponderEliminareu não acompanho muito a literatura sul-americana (quer dizer, nem nenhuma em geral) e neste caso não sei de todo de onde vem o "imundo".
ResponderEliminarBom, pelo que percebi o homem em jovem era mais ou menos revolucionário e de esquerda, mas mudou radicalmente de ideias e hoje em dia posiciona-se numa direita, embora moderada, MOYLITO! E se calhar, os esquerdistas não lhe perdoaram a "traição", se assim se puder chamar...
ResponderEliminarDe qualquer forma, imundo parece-me uma palavra forte demais! Quer dizer, se fosse um Pinochet ou afins ainda vá, mas este não entendi... ;)
Sincera,
ResponderEliminarJulgo que hoje, (dia em que o Pec foi votado no parlamento) Mário Vargas Llosa deve estar triste, é que as novelas de Pedro Camacho comparada com esta novela politica de hoje é péssima. Nem um Nobel teria capacidade para escrever uma novela tão "espectacular", só há um problema, é que publico (todos nós) também participamos na peça.
Bem-vindo, TIAGO!
ResponderEliminarPois, mas enquanto as de Pedro Camacho eram imprevisíveis, esta já se previa há um tempão. O que lhe tira o élan. Isso e o facto de estarmos a ser joguetes nas mãos destes políticos e banqueiros da treta... :P