O título estranha-se, a tal ponto que numa tarde, numa sala de espera que mais parecia uma sauna, uma mulher perguntou se o livro era meu, pousado que estava na cadeira ao lado. Respondi que sim - quase a medo, não estivesse perante uma daquelas almas cristãs que tentam converter os outros à sua Fé, custe o que custar - e acrescentei rapidamente: "é humorístico!" Ela riu e comentou que "por alguma razão ele tinha transformado a água em vinho"... numa insinuação pouco subtil que Jesus gostava da pinga!
Bom, ao terminar a leitura fiquei com menos certeza de se tratar de um livro humorístico - o que Afonso Cruz nos propõe é uma espécie de viagem intemporal pelo Alentejo e um rápido vislumbrar das gentes que o habitam, cruzando histórias de vida que se sucedem a um ritmo alucinante e muitas vezes inverosímil. Rosa, abandonada pela mãe e que perde o pai depois de um acidente com um trator, vê-se a tomar conta da avó Antónia, que já não está no seu juízo perfeito e cujo maior sonho na vida é visitar Jerusalém. Apesar de pobre, a moça atrai as atenções masculinas da terra, desde o padre que gosta de a açoitar, ao pastor Ari, tão abrutalhado quanto amigo, ou até ao professor Borja, um setuagenário que perdeu a filha e a mulher e que se dedicou à ciência para compensar, mas cujos textos cheios de sabedoria são ignorados por todos. E é este que sugere que levem a avó a uma viagem fictícia a Jerusalém, sem saírem do Alentejo, apenas a uma aldeia próxima que foi comprada e restaurada por uma excêntrica miss Whittemore, que se prontifica a ajudá-los no plano.
Original, imaginativo e pleno de humor, o livro vai semeando mortandade ao longo das suas 248 páginas. A que não deve ser alheio o facto das leituras preferidas de Rosa serem westerns...
Ah, e a leitura é um dois em um, já que na badana lateral está um mini-livro (um fascículo, digamos assim), com a história preferida de Rosa, intitulada "A Morte Não Ouve o Pianista".
Citações:
"Os bombeiros deveriam andar a combater o fogo, o elemento de Heráclito. Em vez disso, lutam contra o tempo. Uma luta quimérica. Para combater o fogo usam o seu grande inimigo, a água, mas para combater o tempo só têm uma maca, um medidor de tensão e uma garrafa de oxigénio. E, claro, os velhos continuam a morrer. Os bombeiros deveriam ter mangueiras a deitar juventude, deveriam andar a apagar a velhice."
"Quando uma pessoa é criança, é ele; quando é velho, também é ele. Mesmo que entre essa criança e esse velho haja mais distância e menos semelhanças do que entre outras duas crianças ou entre dois velhos."
"Parece-lhe que se a morte de um animal não acabar no forno, não valeu a pena a vida. Curiosamente, nunca pensaria isso de si mesmo. Ser comido depois de ter sido atropelado não seria jamais o culminar de uma vida plena."
"É certo e sabido que o final feliz é uma invenção humana, uma necessidade de obliterar a morte. A via nunca acaba bem. Porque todas as histórias de seres vivos acabam misturadas com a terra, acabam no caixão."
Fiquei com vontade de ler, até porque já conhecia o título e me achei-o estranho.
ResponderEliminarMas terá que ficar na lista de espera...
Grato abraço pelas informações e tem bom dia.
Ah, o título deve-se ao facto de essa ser uma das teorias "iluminadas" do dito professor, pródigo em teorias científicas improváveis, SÃO! :)
EliminarBeijocas e bons sonhos!
ResponderEliminarBom dia Teté
As tuas crónicas dão vontade de ler todos os livros que apresentas e de ver todos os filmes que comentas... mas desta vez a referência constante à morte veio dissuadir-me.
Não gosto da referência a ela... gosto muito mais de celebrar, festejar e de falar de VIDA!
Beijinhos para a grande vencedora do desafio mais difícil que o Coisas da Fonte já viu!
(^^)
A mortandade existente no livro é propositada, porque carrega num humor britânica non-sense, AFRODITE! É quase "cada tiro, cada melro", com um misto de coboiada à mistura. Enfim, mas lê-se muito bem, desde que se aprecie esse humor... :)
EliminarFiquei a saber por ti, porque voltei ao blogue do Rui e apesar da indicação só consegui ler os comentários ao final da tarde. Queria acrescentar que cheguei lá graças a ti, à Rosa e sobretudo à Ematejoca, mas acrescentarei num próximo post, já que neste ninguém "vê" comentários. ;)
Beijocas e obrigada!
Fiquei curiosa!
ResponderEliminarLido bem com a morte...desde que seja a minha ou de desconhecidos! :)
Ainda não sei o resultado do puzzle do Rui da Bica mas parece que a Afrodite já sabe!
Então parabéns, era preciso muita persistência! :-))
Abraço
Também eu te dou os parabéns, Teté, por que foi o desafio mais difícil dos últimos templos!!!
EliminarNão lido lá muito bem com a morte, ROSA, mesmo com a de desconhecidos, mas num livro de ficção é ao menos... ;)
EliminarTambém soube pela Afrodite, mas como já expliquei, ela, tu e sobretudo a Ematejoca foram de grande ajuda, porque com a história dos comentários a mais que não se viam, estava quase pronta a desistir... Gracias! :)
Abraço
Foi difícil, sim, mas tu foste de grande ajuda, EMATEJOCA! O mais difícil nem foi culpa do Rui, mas por o blogger esconder os comentários acima dos 200... :)
EliminarParabéns a ti também, que eras até uma vencedora mais justa, já que nunca desististe! :D
O Jesus Cristo era um homem de muito bom gosto!!!
ResponderEliminarComo tenho cá em casa a canalha, só escrevo disparates, como por exemplo templos em vez de tempos; no templo era onde o Jesus bebia a cerveja.
A noite deixo um comentário sério.
Como deves calcular, EMATEJOCA, o título advém de uma das muitas teorias do sábio professor, com grande grau de improbabilidade... :)
EliminarMas também é bom ter a "canalha" por perto, que a animação é garantida! :D
Beijocas!
Eu também bebo cerveja...será que fico mais próxima deste Jesus? :)
ResponderEliminarAbraço
Suponho que quase todos bebemos, ROSA, mas é improvável que fiquemos mais próximos de Jesus por isso... :)))
EliminarAbraço!
Teté, Por este não me sinto tentada mas já li mais um da Camille e ainda gostei mais do que do primeiro :) Li "teia de cinzas" e vi o filme Clube e achei-lhe muita graça vou agora ver quem são eles em velhos porque não reconheci nenhum.
ResponderEliminarObrigada pelas tuas dicas têm sido muito boas!
xx
Também estou tentada a ler mais livros da Camille, PAPOILA! :)
EliminarSuponho que o mais conhecido ainda é Emílio Estevez, filho de Martin Sheen e mano do Charlie, mas quase todos mantém carreiras no cinema e na TV até hoje.
Dicas são para isso: aproveita quem quer e se lhe apetece! Obrigada! :)
xxx
Parece-me uma leitura quase obrigatória, Teté!
ResponderEliminarEsse estratagema de satisfazer o desejo da avó da Rosa, transformando o Alentejo em Jerusalém. deve ser bem divertida. Bem...Monte das Oliveiras, é o que deve ter sido mais fácil de conseguir, com tanto chaparro que há por lá!!
É um prazer ler os resumos que fazes de livros e filmes. Tens um poder descritivo fabuloso.
Eu ainda ando às voltas com a "Madrugada Suja", que considero um dos melhores de MST, onde se misturam gargalhadas com alguma tristeza.
Beijocas e obrigada por estes momentos imperdíveis!:)
O giro do livro está aí, JANITA: como se transforma uma aldeia alentejana em Jerusalém? :))) Muita imaginação do autor, podes crer, que põe na boca das suas personagens muitas mentiras descaradas, mas com o intuito de fazer feliz a velhota... :)
EliminarComo ainda tenho muitos livros para ler, vou esperar feed-backs sobre esse novo livro de MST, que até ao momento não tive nenhum - exceto o teu, embora provisório, uma vez que ainda não o acabaste de ler... Depois logo vejo se leio, que o único livro que li dele gostei, mas tinha umas 100 páginas completamente desnecessárias! ;)
Beijocas!
Nunca ouvi falar deste livro…. Para variar! : )
ResponderEliminarEstou à espera que uma amiga, que regressou hoje de férias, me entregue o “Madrugada Suja” que me disse ser o seu presente.
: )
Olha, depois de o leres bem podias dar a tua opinião, CATARINA, porque tal como disse à Janita, ainda não tenho feed-backs sobre esse livro de MST... :)
EliminarQuanto ao escritor português ele ainda é relativamente jovem (42 anos) e também é ilustrador, realizador de filmes de animação e músico, é natural que não seja muito conhecido fora deste burgo... ;)
Há livros que nos captam logo pelo título.
ResponderEliminarEste é um bom exemplo.
Entra na lista de leituras.
Beijocas e votos de BFDS!!
Verdade, PEDRO, há títulos que nos seduzem à partida... :)
EliminarBeijocas e bom fim de semana!
ainda não li apesar de já o ter comentado no Quadro a proposito de um texto do Pascoaes que dizia que se Jesus fosse do seu tempo beberia cerveja...
ResponderEliminarestá em lista de espera :)
Bom, sendo assim vais ter mesmo de ler, TÉTISQ, pois a curiosidade deve ser grande... :)
EliminarVejo que também gostaste deste Jesus Cristo que bebia cerveja! ;) Afonso Cruz é cada vez mais um autor português de destaque e referência. Gosto das suas histórias cheias de tudo.
ResponderEliminarBeijocas
É isso mesmo, são histórias cheias de tudo, TONS DE AZUL! E sim, vou continuar atenta aos próximos títulos de Afonso Cruz... :)
EliminarBeijocas (e gostei de te rever por aqui)!