É
curioso que quase todos os últimos livros que tenho lido têm um fundo
musical bastante "sonante" ao longo das suas páginas, de Murakami a João Pedro Ricardo (em que um dos personagens principais é estudante de piano), e este último livro de Joaquim Almeida Lima também não foge a essa tendência. Aqui ao som de música clássica (como já o autor anterior), de que vos deixo um breve vídeo, se quiserem ouvir enquanto leem o post:
Na meia idade, João resolve escrever um livro sobre os seus primeiros 30 anos de vida. "Não tenho memória de viver sem angústia. Desde sempre ela me acompanhou, andou comigo de mão dada para eu não fugir",
resume logo nas primeiras páginas. Em criança, a fonte de sofrimento
era o medo de perder os pais. Um sofrimento permanente, ainda mais
despoletado ao mínimo atraso. A situação agrava-se na adolescência,
quando descobre a sua atração pelos colegas do mesmo sexo: "Nas
conversas dos rapazes do Liceu havia um lugar especialmente reservado
aos paneleiros, panascas, bichas, maricas, virados, ai de quem mostrasse
alguma característica de pertencer a esse grupo, era perseguido e
gozado sem piedade."
Ensimesmado e sem amigos, dedica-se ao estudo e à leitura, partilhando com o pai "uma cumplicidade feita de música e silêncio"
quando este põe a tocar os seus compositores prediletos, clássicos e de
jazz, maioritariamente. Quer ser como ele, um arquiteto conceituado,
íntegro, honesto e sereno. Contudo, ao contrário dos seus pais,
católicos praticantes, perde a fé e comunica-lhes o facto, que ambos
aceitam com alguma tristeza. Esconde de tudo e todos a sua angústia
constante, as suas crises de choro e, claro, a sua orientação sexual,
inclusive a Luis, o primeiro amigo (heterossexual) que arranja já na
faculdade. Fechado na sua concha, a sua vida social é praticamente
inexistente fora deste círculo restrito, a sexual idem, mas a ansiedade
não o larga, recorrendo frequentemente aos calmantes da mãe. E ela sim,
parece ser a única a conhecer os seus segredos, mesmo que nunca lhos
tenha contado de viva voz...
Intercalando
presente e passado ao longo dos curtos capítulos das 206 páginas,
sabemos de antemão que João encontrou em Pedro o companheiro da sua
vida, que com ele caminha de mão dada, ajudando-o a ultrapassar os
momentos de dolorosa angústia. Depreende-se até que acicatada pela
decisão de colocar no papel e preto no branco esses "fantasmas" do
passado, que nunca o largaram.
Gostei, embora não deixe de ser um romance... inquietante!
Citações:
"Aos
sete anos, na Escola Primária, tinha pedido namoro a uma colega loura e
de olhos castanhos e doces, ela corou imenso e disse, Pode ser, e nunca
mais nos falámos, sei que já casou duas vezes, tem filhos, mas acho que
ainda temos namoro."
"[...]
o teu pai é, infelizmente, muito mais conservador nestes assuntos, nem
parece que é de esquerda, A esquerda do pai é muito direita, mãe, muito
direita."
"Ensaio sobre a angústia" ou "A maldade da Teté"...
ResponderEliminarLer o que escreves sobre este livro e ler pedacinhos deste livro ao som de Chopin é deixar-nos, no mínimo, inquietantes...é ter vontade de ler o livro inteiro :)
Mais um para a minha lista.
A angústia do João é a de muitos Joões e Joanas...
Não entendi a segunda citação, não vejo que uma coisa tenha a ver com outra, mas deve ser defeito meu, concerteza...
Beijinho :)
Inquietante ou não é um romance que não posso perder!!!
ResponderEliminarA mania que a Esquerda é mais aberta é uma pura ilusão!!!
Nos países comunistas, como em Cuba ou na antiga DDR, os homossexuais foram perseguidos sem dó nem piedade.
Saudação de um Düsseldorf outonal!
Sem poder ouvir a música, já que estou em aula a dar teste, limito-me a ler-te. Este prendeu-me!:))
ResponderEliminarbeijocas
ele fez bem em pedir-lhe para namorar porque eu tive um colega que namorava com uma rapariga e ela não sabia!
ResponderEliminarMais um para eu ler, gostei da inquietação.
ResponderEliminarTeté tu és óptima a aconselhar livros, a maneira como os descreves, fazes-me querer ler.
Mais um para eu ler, gostei da inquietação.
ResponderEliminarTeté tu és óptima a aconselhar livros, a maneira como os descreves, fazes-me querer ler.
Esse assunto, e apesar de agora se perfazer mas um aniversário dos homossexuais, ainda é muito discutida. E livros à parte, essa questão nunca me pareceu ter a ver com ser de direita ou esquerda. Penso que acaba por ser uma questão mais pessoal, do que outra coisa.
ResponderEliminarUm dia destes, hei-de reatar uma conversa com um amigo que, por acepção, até é votante do PCP :)
Seria um livro que eu gostaria de ler não tivesse eu uns quantos livros para ler. E últimamente tenho lido muito menos. O tempo não estica, e entre o cuidar da neta e da casa, as minhas pinturas, a costura, a pesquisa sobre a história do século passado para a história do Manuel, e a escrita da própria história, não sobra tempo para nada.
ResponderEliminarMesmo as visitas aos blogues amigos não consigo fazer todos os dias.
Um abraço
Aguçou-me o apetite, Teté...
ResponderEliminarInfelizmente, conheço muita gente de esquerda que, em relação a certos valores é bastante mais conservadora do que gente da direita liberal. Pois, isso inquieta-me...
Tété
ResponderEliminarÀs vezes - um ensaio é também uma angústia. Outras, é a libertação de desejos amarfanhados e medos infundados.
É bom haver alguém que roce estes temas.
Um beijinho minha querida amiga.
Infelizmente é angústia de muitos, sim, MARIA! Não só em relação à homossexualidade, como também a angústias constantes... :)
ResponderEliminarA segunda citação achei curiosa, pelo facto de muitas vezes se associar a esquerda a gente mais aberta, o que nem sempre é verdade... ;)
Beijocas!
* maldosa, moi? Chuif, chuif, não sou não... :))
Concordo inteiramente contigo, EMATEJOCA! É uma mania que não corresponde à realidade e não é preciso ir buscar exemplos tão longínquos... ;)
ResponderEliminarSaudações de uma Lisboa primaveril! :D
Para ser franca, li-o de uma penada, NINA! Já é o segundo livro que leio do autor e gosto muito do que ele escreve... :))
ResponderEliminarBeijocas!
Se não gosto também digo, RAINHA, mas este ano tenho tido sorte, só li um que não gostei! :))
ResponderEliminarDe qualquer das formas, se não gosto mesmo nada... desisto ao fim de poucas páginas! Com tanto livro bom para ler, porque hei-de perder tempo a ler o que não me interessa? :D
Não vês a questão da homossexualidade muitas vezes abordada em livros, VIC! Muito menos escritos por um português... ;)
ResponderEliminarClaro que não tem a ver com esquerda ou direita! Os preconceitos abundam em todos os lados... infelizmente! :S
Também tenho duas prateleiras de livros para ler, mas não passo sem ler um bocadinho todos os dias, ELVIRA! :)
ResponderEliminarE nos blogues acontece a todos: há dias com mais tempo para fazer uma visitinha e comentar, noutros nem tanto! :D
Um abraço!
Sorry, VÍCIO, saltei por cima do teu comentário! Mas não foi ao eixo, foi no deslizar da caixa... :))
ResponderEliminarHá sempre gente assim distraída, que julga namorar... em sonhos! :D
Sei disso perfeitamente, CARLOS BARBOSA DE OLIVEIRA, por isso ter dado destaque à citação... que, no mínimo, é curiosa! :D
ResponderEliminarE é inquietante, mesmo! :)
Foi uma das razões porque achei o livro muito interessante, KIM, não há muitos escritores a focarem-se nestas temáticas, vistas do ponto de vista de um rapaz angustiado e com medo de se assumir perante a família e o mundo... :)
ResponderEliminarBeijocas, amigo!
Este passo. Não tenho enquadramento neste momento para mais leituras inquietantes, basta-me o material sobre Alzheimer que estou a ler para tentar ser melhor cuidadora.
ResponderEliminarNecessito de livros com um fim feliz! Leves mas com alguma substância! Talvez uma nova fase de policiais seja a solução! : )
Parece ser um livro bastante interessante. Ai, que eles já são tantos!! ;)
ResponderEliminarPercebo-te perfeitamente, CATARINA! Aliás, há momentos em que também não consigo ver filmes ou ler livros mais duros. Um policial sim, mesmo que o crime seja horrendo, sabemos de antemão que vai ser desvendado e. à sua maneira, acaba bem... ;)
ResponderEliminarAbraço e coragem!
Deste tenho a certeza que vais gostar, TONS DE AZUL! :)
ResponderEliminarFiquei curiosa... Mas não sei se será livro para mim, eu não posso ler coisas assim muito inquietantes. Entro muito na história e depois fico perturbada... =)
ResponderEliminarAqui inquietante é essencialmente a angústia do protagonista não o largar, BRISEIS! E viver uma vida assim não deve ser nada fácil, é essa a percepção que o livro te dá! ;)
ResponderEliminarnovamente, um post que dá vontade de ler o livro :)
ResponderEliminarMas o livro é muito bom, mesmo, MOYLITO! :)
ResponderEliminarParabéns pelo blogue e pela crítica. Comecei a ler o livro há dois dias e estou quase a terminar... A vida do João poderia ser a minha se eu tivesse nascido 20 anos antes, as mesmas preocupações, os mesmos problemas, as mesmas angústias. Felizmente para ele que encontrou um Pedro, ainda não tive essa sorte :(
ResponderEliminarBem-vindo, ERNESTO!
ResponderEliminarBom, suponho que esses 20 anos de diferença são suficientes para encontrar outras soluções para a angústia - com outros acompanhamentos e terapias. Quanto ao resto, é dar tempo ao tempo! :)